Álvaro Cunhal e a luta dos trabalhadores deu mote a sessão na Covilhã
No 108.º aniversário do nascimento de Álvaro Cunhal, o Secretário-geral do PCP reafirmou, na Covilhã, terra de grandes tradições do movimento operário e sindical, que é possível assegurar um projecto de desenvolvimento ao serviço do País e do povo.
Lutar é o caminho para defender e conquistar direitos
«Nas lutas de massas, as massas ganham experiência, hábitos de combate e de sacrifício, educam-se revolucionariamente, dispõem-se cada vez mais a acções enérgicas e decididas. As lutas de massas escavam as bases de apoio do fascismo, quebram a sua estabilidade, enfraquecem o seu domínio.» Álvaro Cunhal
«Os sindicatos dos trabalhadores, sindicatos de classe, com profunda ligação às massas e participação das massas são não só necessários, mas mais necessários que nunca». Álvaro Cunhal
«A situação económica e a vida política portuguesa não se decide apenas nas altas esferas. Na vida política e na vida económica intervêm directamente os trabalhadores, intervêm directamente as massas populares e há uma verdade
que, hoje como sempre, continua válida: é que é o povo, são as massas populares, a força motora da história. A última palavra na vida das nações acaba sempre por ser ditada pelas massas populares.» Álvaro Cunhal
No Auditório da Assembleia Municipal da Covilhã estiveram, no passado dia 10, mais de uma centena de pessoas para evocar homenageando a figura ímpar de Álvaro Cunhal, numa sessão pública que assinalou uma das mais importantes dimensões da sua análise e intervenção – a da luta dos trabalhadores. «É a classe operária, são os trabalhadores a força motora e dinamizadora da movimentação e da luta do povo português», afirmou Victor Reis e Silva, da Direcção da Organização Regional de Castelo Branco (DORCB) e do Comité Central (CC) do PCP. Com ele, na mesa, estiveram Luís Silva, da DORCB e do CC, António Cardoso, Gabriela Gonçalves, ambos da DORCB, Vladimiro Vale, da Comissão Política do CC, e Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, que começou por salientar: «não haveria, de facto, tema com mais carga simbólica, neste ano em que celebramos também 100 anos de vida e de luta do PCP, que este que aqui nos traz, porque ele vai ao encontro daquele que é o primeiro traço da sua identidade – a sua natureza de classe, como Partido da classe operária e de todos os trabalhadores e ao qual se manteve fiel na definição da sua orientação e na sua acção em toda a sua existência».
«Este Partido que nasceu no seio do movimento operário e por vontade da classe operária e dos trabalhadores portugueses, e cuja criação iria inaugurar uma nova etapa no processo de desenvolvimento do movimento operário português – uma etapa qualitativamente superior de afirmação de independência e de uma intervenção autónoma da classe operária como sujeito histórico de transformação social, distinta e oposta à das classes dominantes», sublinhou.
Destacou, por isso, o «inestimável» contributo de Álvaro Cunhal na construção do Partido, com particular realce no desenrolar do processo de reorganização, em 1940/41, «que transforma o PCP num grande partido nacional, da classe operária, dos trabalhadores e dirigentes da luta de resistência antifascista».
Unidade dos trabalhadores
Num discurso que pode (e deve) ser lido na íntegra em www.pcp.pt/alvaro-cunhal-luta-dos-trabalhadores, Jerónimo de Sousa recordou, mais adiante,o relatório apresentado por Álvaro Cunhal ao III Congresso do PCP, que viria a «operar de forma decidida a grande viragem no trabalho sindical dos comunistas e na luta nas empresas».
A luta dos assalariados rurais do Sul por melhores salários, contra o desemprego, pela jornada de 8 horas; as greves de Julho-Agosto de 1943; as jornadas do 1.º de Maio de 1962; o surgimento da Intersindical em 1970, foram outros momentos destacados pelo Secretário-geral do PCP, sem esquecer, nos anos que antecederam a Revolução de Abril, as «centenas de milhar de trabalhadores» que «estavam em luta sob as mais diversas formas e participando em numerosas, combativas e amplas greves».
Como precisou, «foi a persistência na concretização dessa orientação que permitiu ao movimento operário e sindical, e de forma destacada à Intersindical, com a ampla e massiva luta desenvolvida pela classe operária e os trabalhadores, dar um contributo determinante no levantamento popular que se seguiu ao levantamento militar e ser uma força motora da Revolução, garantir importantes melhorias nas condições de vida dos trabalhadores e lutar pela concretização e reconhecimento das grandes conquistas da Revolução – controlo operário, nacionalizações e reforma agrária – e assegurar direitos fundamentais, como o direito à greve, à organização sindical na empresa, de manifestação, entre outros».
Enfrentar a ofensiva
O Secretário-geral do PCP também analisou o período entre os «alvores da Revolução de Abril» e os dias dehoje. «Décadas de política de direita e ofensiva anti-laboral foram marcados pela resistência e luta dos trabalhadores», que foi «decisiva para enfrentar a ofensiva resultante dos PEC e do Pacto de Agressão da troika, que contribuiu para isolar, derrotar e afastar do poder o governo PSD/CDS, que foi indispensável para a defesa, reposição e conquista de direitos dos últimos anos, que se afirma como elemento essencial para combater retrocessos e abrir o caminho da resposta e da solução dos problemas nacionais», descreveu.
A sessão pública contou com a leitura do poema «Uma chama não se prende», de Manuel Gusmão, lido por Elisabete Morão, professora e poetisa.
O caminho a seguir
Quando chegamos ao final de 2021, passada a fase maia aguda da epidemia e «são propagandeados milhares de milhões de euros», Jerónimo de Sousa fez um retrato dos principais problemas dos trabalhadores, como a exploração, os baixos salários, os horários selvagens, a precariedade, as condições de trabalho degradadas, a instrumentalização do desenvolvimento científico e tecnológico para a fragilização dos direitos, uma legislação laboral gravosa, o ataque à contratação colectiva, a violação dos direitos da acção sindical.
Tendo em conta que «só a valorização do trabalho e dos trabalhadores é a garantia do desenvolvimento e do progresso do País», destacou, o PCP defende que as verbas disponíveis sejam usadas para o desenvolvimento, a substituição de importações por produção nacional, a criação de postos de trabalho, a elevação das qualificações e do perfil produtivo, a emergência nacional do aumento geral dos salários para todos os trabalhadores, a valorização das carreiras e das profissões, o aumento do Salário Mínimo Nacional para 850 euros (755 euros no início de 2022), que sejam revogadas as normas gravosas da legislação laboral, nomeadamente a caducidade da contratação colectiva e a reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.
Os comunistas prometem ainda continuar a lutar contra a desregulação dos horários e pela redução do horário de trabalho para as 35 horas, para que o desenvolvimento científico e tecnológico seja posto ao serviço dos trabalhadores, dos seus direitos e condições de trabalho, para que sejam cumpridos os direitos de acção sindical.
Combater os retrocessos
Fazendo jus à «gloriosa história» do Partido, ao exemplo de Álvaro Cunhal e ao lema «Ao teu lado todos os dias», o PCP, nos dias de hoje, continua «ao lado dos operários do sector têxtil em defesa da contratação colectiva», afirmou Vladimiro Vale, recordando, por exemplo, que a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) «fez caducar o Contrato Colectivo de Trabalho para poder retirar direitos como o subsídio de amas, a majoração das férias ou os feriados municipais e de Carnaval».
O PCP está, também, ao lado dos mineiros das Minas da Panasqueira, que «obtiveram avanços, com a recente greve de Maio e Junho, nos salários, nas condições de trabalho, na formação profissional certificada; na realização dos exames médicos periódicos», e da Alçada e Pereira, «pela salvaguarda dos seus direitos e pela salvaguarda dos postos de trabalho».
Os comunistas estiveram, igualmente, em todas as acções públicas dos trabalhadores da Dielmar, antes e depois das eleições, «intervindo nas autarquias, no Parlamento Europeu e na Assembleia da República, denunciando mais um exemplo em que opções de gestão, em nada relacionadas com a produção, colocam em causa direitos dos trabalhadores, destroem postos de trabalho qualificados e infligem mais um rombo na capacidade produtiva nacional que tanta falta faz ao nosso País e a Castelo Branco».
O PCP exige que o Governo «deve desencadear todos os instrumentos ao seu alcance» para viabilizar a Dielmar, assegurar os postos de trabalho e o cumprimento dos direitos, bem como o pagamento dos salários dos trabalhadores.
Político revolucionário
A intervenção de Vladimiro Vale assinalou o «contributo» de Álvaro Cunhal como «político revolucionário, indissociável do seu PCP, para a luta pela liberdade, pelo desenvolvimento, pela soberania e, em particular, para a organização, para a luta dos trabalhadores e para o desenvolvimento do movimento sindical de classe».
«A luta dos trabalhadores da Covilhã contribuiu e beneficiou simultaneamente para e deste contributo», salientou, recorrendo ao exemplo das greves dos anos 40 (do século passado) na Covilhã para ilustrar como «contribuíram para esse objectivo, quer pela repressão a que foram sujeitas, quer pela intervenção do Estado no impedimento de avanços nos seus direitos».
Entre outros momentos, o membro da Comissão Política do PCP destacou a «luta política de massas de 1962 na Covilhã que, por sua vez, contribuiu para a grande reanimação do sindicato de lanifícios» e, em 1964, como apresenta o relatório «Rumo à Vitória», a exploração dos mineiros da Panasqueira, contrastante com os dividendos da companhia Beralt tin.
Unidade sindical
Após a Revolução do 25 de Abril, em 1976, Álvaro Cunhal alertou para a luta pela unidade sindical e contra o divisionismo sindical, sublinhando que «os que defendem a “liberdade sindical” e o “pluralismo sindical” pretendem não a liberdade da organização dos trabalhadores, a liberdade e independência das suas organizações de classe, mas a cisão do movimento sindical, a sua submissão a um controlo partidário, governamental e mesmo patronal».
«Em 1981 os operários dos têxteis e lanifícios tiveram um exemplo do papel desta liberdade do divisionismo sindical pela acção da UGT, ao assinalar um contrato sem legitimidade e sem representatividade com aumentos aquém do reivindicado, em troca de aumento de horários das 42,5 horas para as 45, condicionando o recebimento do 13.º mês às faltas, inclusivamente por doença, impedindo os plenários na fábrica e diminuindo o tempo para consultas médicas», descreveu Vladimiro Vale,
«Os trabalhadores responderam com uma greve prolongada, revelando unidade e coesão em torno no seu sindicato. Tal como em 41, também esta luta ajudou a desmascarar a verdadeira natureza do governo AD, obrigou muitas empresas a negociar directamente com os delegados sindicais e impôs os direitos consagrados no Contrato Colectivo de 1975», acrescentou.
Nas intervenções de Álvaro Cunhal e nas páginas do Avante! sucediam-se também «as denúncias da conivência do governo AD com a prepotência da multinacional estrangeira que explora as Minas da Panasqueira contra as leis nacionais» e alertava-se para que na Covilhã, segundo o plano Werner, das 96 empresas existentes apenas se salvariam umas vinte e que a pseudo integração na CEE destruiria em Portugal cerca de 70 por cento das pequenas e médias empresas, sem qualquer contrapartida para a perda correspondente dos postos de trabalho. «A integração capitalista da União Europeia, que hoje está à vista de todos, teve consequências dramáticas no tecido produtivo da região», concluiu Vladimiro Vale.
Uma chama não se prende
rodeado de paredes
rodeadas de muros altos
que foram depois muralhas
um preso encarcerado
ao longo da terrível década de 50
inteira
Não cedeu.
Levado a tribunal
em 3 e 10 de Maio de 1950
só então fica a saber que Militão e Sofia
presos com ele torturados não «falaram»
não cederam E que esse grande patriota Militão
Ribeiro fazendo greve da fome foi morto
Perante o tribunal acusa os seus acusadores
Defende o seu Partido a sua acção
e a sua orientação política
Ponto a ponto responde às calúnias
que são os porcos argumentos do ódio
e do terror de estado Ponto a ponto
responde com o orgulho do homem livre
e o vigor da inteligência Responde por si
e pelos seus como quem acusa
e ameaça Ameaça o inimigo que o tem preso
Dos 11 anos seguidos, preso,
14 meses incomunicável,
8 anos em isolamento
E não cedeu Nunca cedeu
Agora na humidade salina da cela
contra o eco do estrondo do mar
que não esquece/e grita/contra a fortaleza
contra a corrente contínua dos dias e das noites
este homem livre é uma chama
uma lâmpara marina
Não cede lê e desenha lê
e estuda e escreve este homem livre
que está preso e é uma chama
açoitada pelo vento e pelo silêncio
numa cela
Não cede e escreve
A Questão Agrária
As lutas de classes em Portugal nos fins da Idade Média
e escreve uma tradução do Rei Lear
e escreve Até Amanhã, camaradas
o homem livre encarcerado
fugiu enfim
colectivamente
a 3 de Janeiro de 1960
e nunca mais foi apanhado
Manuel Gusmão