«Erros de avaliação»

Filipe Diniz

Um dos temas após a de­ban­dada dos EUA/​NATO do Afe­ga­nistão é que «houve erros de ava­li­ação». Er­raram a ava­liar a in­sus­ten­ta­bi­li­dade do go­verno fan­toche ins­ta­lado e das suas forças ar­madas, er­raram a ava­liar a fa­ci­li­dade com que os ta­liban as­su­miram o con­trolo.

Não será isto sur­pre­en­dente? Não basta afinal ligar um qual­quer canal na te­le­visão para ve­ri­ficar que existe um largo ma­nan­cial de aba­li­zados es­pe­ci­a­listas em ta­liban e Afe­ga­nistão? Quase que são ainda mais do que os es­pe­ci­a­listas me­diá­ticos em COVID que há dois anos nos for­necem as mais fun­da­men­tadas – mesmo que fre­quen­te­mente con­tra­di­tó­rias – opi­niões sobre o evo­luir da pan­demia.

O que é que lhes faltou, e faltou aos EUA/​NATO e aos im­pe­ri­a­listas oci­den­tais em geral? Pro­va­vel­mente, foi mais o que so­brou do que o que faltou. So­brou to­marem como boas as pro­cla­ma­ções da po­tência do­mi­nante entre eles e jul­garem dispor de co­ber­tura moral para toda a cri­mi­nosa con­duta e acção em­pre­en­dida. Diz o Se­cre­tário de Es­tado de Biden, An­tony Blinken: «No de­curso da pas­sada dé­cada e meia, os EUA au­men­taram con­sis­tente e sis­te­ma­ti­ca­mente os seus es­forços no sen­tido de deter atro­ci­dades em massa», e talvez esta de­sa­ver­go­nhada hi­po­crisia ajude a com­pre­ender não apenas os «erros de ava­li­ação» mas também o im­pacto global desta der­rota.

Para a qual terá igual­mente con­tri­buído a ar­ro­gância, ar­ro­gância com uma for­tís­sima tin­tura ra­cista e co­lo­ni­a­lista. Veja-se o elu­ci­da­tivo ba­lanço do que «apren­demos desde o 11 de Se­tembro» que o re­ac­ci­o­nário fi­ló­sofo francês Ber­nard-Henry Levy fazia, em 2001: «os ta­liban não foram apenas ven­cidos. Foram-no sem com­bater. Foram-no ver­go­nho­sa­mente, sem qual­quer ponta de honra. E a imagem destes com­ba­tentes der­ro­tados que, de Da­masco a Túnis, a rua árabe tinha au­re­o­lado de todos os pres­tí­gios, a imagem destes Sa­la­dinos que se su­punha irem fazer ajo­e­lhar a Amé­rica e que, ao pri­meiro golpe, de­ban­daram como ga­li­nhas, não pôde senão deixar es­tu­pe­factos os que se re­co­nhe­ciam neles.» O que este homem pen­sava do Afe­ga­nistão é o que toda esta gente pensa do mundo que antes co­lo­ni­zaram e sobre o qual acre­ditam manter todo o di­reito de in­ge­rência e ocu­pação.

Será por isso que so­frem tão pe­sadas – mas longe de de­fi­ni­tivas – der­rotas.




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