Biodiversidade: ver a árvore e não ver a floresta

Vladimiro Vale (Membro da Comissão Política)

Recentemente, numa série de perguntas de um órgão de comunicação social sobre questões ambientais, um jornalista questionava a razão pela qual a proteção da biodiversidade e dos ecossistemas está fora das várias propostas apresentadas pelo Governo e partidos para a chamada Lei do Clima.

A desresponsabilização do Estado deixa ao capital a apropriação de recursos naturais

Na resposta foi possível apontar uma das fortes razões: a abordagem seccionada das questões ambientais. Ao isolar o problema climático, não o enquadrando noutros problemas ambientais, acaba-se a olhar para a árvore e não ver a floresta.

A razão fundamental pela qual o PCP apresentou uma proposta de Lei da Política Ambiental e Acção Climática e não apenas uma Lei do Clima, foi exactamente para não isolar as questões climáticas das restantes questões ambientais. Também por isso, no projecto do PCP de Lei da Política Ambiental e Acção Climática, todo o artigo 18.º é dedicado à Biodiversidade e recursos biológicos, onde se reafirma a necessidade de uma política que dote o Estado dos meios necessários para desenvolver e aplicar medidas de salvaguarda da biodiversidade.

 

Habitats em risco

Em Março de 2021, o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, num documento sobre a Gestão de áreas protegidas, divulgou informações preocupantes sobre o estado dos habitats e espécies protegidas em Portugal. Segundo «dados disponíveis a nível europeu (Conservation status of habitat types and species: datasets from Article 17, Habitats Directive 92/43/EEC reporting, Agência Europeia do Ambiente), no período 2013-2018 a situação dos habitats e espécies protegidas em Portugal era a seguinte:

  • 4% dos tipos de habitats tinha estatuto desconhecido; de entre os habitats com estatuto conhecido, 75% encontrava-se em estado mau ou desfavorável;

  • 30% das espécies abrangidas tinha estatuto desconhecido; de entre as espécies com estatuto conhecido, 62% encontrava-se em estado mau ou desfavorável».

O PCP tem alertado para a progressiva desresponsabilização do Estado, também na área do ambiente, que tem significado um incentivo à privatização de importantes áreas com vista à mercantilização da Natureza e dos recursos naturais. Afastando a gestão das áreas protegidas daquilo que é a proposta do PCP, de que a cada Área Protegida de âmbito nacional deve corresponder uma unidade orgânica de direcção intermédia da administração central, dotada dos meios humanos e técnicos, com um director.

 

Direitos e funções

Ainda mais recentemente, um conjunto de trabalhadores do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), após a publicação da nova orgânica deste instituto, alertou para a «falta de equidade remuneratória e de dignificação de carreiras do Serviço Público», sem as quais não é possível «melhorar o desempenho do Instituto, designadamente nas suas atribuições de grande complexidade e responsabilidade de Autoridade Florestal Nacional e de Autoridade Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade».

Sobre a capacidade do ICNF, também o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, sublinhou que «as funções estão muito reduzidas em relação a duas ou três décadas atrás, com consequências negativas no modo como o território é gerido, registando-se hoje um maior distanciamento ao nível das ações e do relacionamento com outros actores».

Não são de agora os alertas do PCP para o caminho que se abriu com anos de política de direita, para a fragilização das estruturas públicas de gestão ambiental, que perderam trabalhadores, meios e competências. Alguns dirão que é a cassete! Mas cada vez está mais claro que a desresponsabilização do Estado deixa o capital de mãos livres para a apropriação de recursos naturais e para a sua mercantilização. O plano, para criar condições para que os recursos sejam geridos aos sabor dos interesses privados, passa sempre por fragilizar as estruturas públicas, atacando primeiro os seus primeiros defensores – os trabalhadores.

Só valorizando quem trabalha e reforçando os meios do Estado é possível desenvolver uma verdadeira política de defesa do equilíbrio da Natureza.




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