Torcionário e amo

Luís Carapinha

Uma amostra da profunda podridão moral do imperialismo

A notícia surgiu a semana passada pela mão do New York Times: vários operacionais da unidade saudita responsável pela morte de Khashoggi – o jornalista saudita assassinado em 2018 no consulado da Arábia Saudita em Istambul – receberam treino paramilitar nos EUA. O jornal precisa que a formação, ministrada em 2017 pela empresa privada Tier 1 Group e autorizada pelo Departamento de Estado, aconteceu num momento em que o comando especial saudita iniciava uma «extensiva campanha de rapto, detenção e tortura de cidadãos sauditas», às ordens do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (https://www.nytimes.com/2021/06/22/us/politics/khashoggi-saudi-kill-team-us-training.html).

2017 foi o ano em que o então presidente dos EUA, Trump, visitou a Arábia Saudita. Para a memória ficam as imagens da sua participação na cerimónia de dança das espadas com os membros da Casa Real. No ano seguinte saltava literalmente a cabeça de Khashoggi. O malogrado colunista do Washington Post não era um jornalista qualquer. Até cair em desfavor, foi durante décadas conselheiro do governo de Riade e íntimo da cúpula da petroditadura saudita…

Apesar dos factos reportados não serem totalmente inéditos, ou surpreendentes, toda esta história macabra é muito instrutiva em vários aspectos.

A Tier 1 Group ministrava «treino paramilitar» à Guarda Real Saudita desde 2014, ainda nos tempos da Administração Obama. Nos EUA, presta também formação contraterrorista a unidades encobertas da CIA. É propriedade de uma empresa de investimentos, isto é, encontra-se nas mãos do grande capital financeiro. Entre os seus fundadores conta-se um ex-instrutor da sinistra Blackwater, antiga empreiteira privada do Pentágono, responsável por crimes de guerra nas ocupações do Afeganistão e Iraque. Tudo, portanto dentro dos padrões habituais de business as usual e promoção dos «direitos humanos». E, claro, da longa relação visceral dos EUA com a Arábia Saudita, juntamente com Israel, aliado principal do domínio norte-americano no Médio Oriente.

A projecção mediática em torno do desaparecimento fatídico de Khashoggi e a pugna intestina no establishment levaram a CIA a concluir que a sua morte fora ordenada pelo príncipe herdeiro, mas Trump desestimou as evidências e recordou que a relação diplomática e económica com o reino é prioritária. E Biden, anunciando sanções contra os membros do comando executor, optou por não beliscar a relação fundamental com a Arábia Saudita, nem chamou assassino a Mohammed bin Salman, epíteto reservado a Putin.

Esta é apenas uma amostra da profunda podridão moral do imperialismo. O estandarte esfarrapado da democracia e dos direitos humanos é hoje utilizado para traçar novas linhas de confrontação mundial. A China com o PCC, à cabeça é o alvo principal contra o qual o imperialismo convoca uma virtual e patética aliança de democracias. A avassaladora campanha dominante não pode, contudo, iludir o deslizar da metrópole do sistema para um, cada vez mais ameaçador, totalitarismo de fachada democrática. Nem a suprema hipocrisia e cinismo face ao cortejo de iniquidades sem fim contra os povos do mundo e o direito internacional, a que se junta esta semana o ataque dos EUA contra alvos na Síria e Iraque.




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