Sullivando

Jorge Cadima

Os EUA querem criar uma ampla aliança anti-China

Dias após a cimeira entre Biden e Putin, o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, anuncia novas sanções contra a Rússia. Os pretextos são as já estafadas mentiras anti-russas: alegados ciberataques, alegadas interferências em eleições, o alegado envenenamento de Navalny. Salivando, Sullivan anuncia já novas aldrabices belicistas: «quando tivermos imposto [estas sanções], vamos impôr novas sanções em relação a armas químicas» (CNN, 20.6.21). O único país que usou armas nucleares, com um longo historial de uso de armas químicas e biológicas, guerras de agressão, subversões, golpes de Estado (na mira está agora o Peru), ingerências e actos de terrorismo; o país que mente todos os dias e impõe a prisão de Assange e Manning, o exílio de Snowden, «culpados» de revelar ao mundo essas mentiras – esse país só conhece uma «regra»: os EUA mandam e os outros obedecem.

É legítima a dúvida: para que serviu então a Cimeira de Genebra, proposta por Biden? Para quê a Declaração Conjunta sobre Estabilidade Estratégica e o regresso dos embaixadores? O Financial Times esclarece: «A América está de volta – e quer que toda a gente se centre na China» (18.6.21). O jornal fala numa tentativa de – mudando os actores – fazer como Kissinger no início dos anos 70, quando ganhou a China para uma aliança contra a União Soviética: «a América deve deixar de empurrar a Rússia para os braços da China. Mas isso levará mais de um mandato presidencial a alcançar» sonha um analista, daqueles que pensa que somos todos parvos e que ninguém percebeu que as «alianças» e «acordos» dos EUA duram apenas o tempo necessário para que estejam em posição de desferir golpes mortais contra quem neles acreditou.

Sullivan também aponta baterias à China, afirmando que «enfrenta uma opção dramática: ou permite, de forma responsável, que os investigadores façam um real trabalho de identificar as origens [da COVID-19], ou enfrentarão o isolamento no seio da comunidade internacional» (Bloomberg, 20.6.21). De pouco adianta que «a comunidade internacional» (Organização Mundial de Saúde) já tenha feito uma «real investigação» e concluído que a COVID-19 teve origens naturais. Tal como nos referendos da UE, a conclusão não interessa e terá de ser mudada, nem que seja com ameaças e sanções: os EUA seguirão adiante «até esclarecermos a questão de como este vírus veio ao mundo e quem será responsabilizado [has accountability] por isso». «Responsabilizado»? Um morcego? Um pangolim? A eterna evolução dos vírus? A frase só faz sentido se Sullivan já predeterminou a conclusão da «real investigação».

Os sonhos duma aliança anti-China são a miragem de preservar uma hegemonia mundial dos EUA que já não corresponde à realidade económica e política. Nem todos são como Augusto Santos Silva, disposto a seguir os EUA até ao abismo. Alguns fazem contas à vida. Uma professora escreve no New Statesman (17.6.21) sobre «Porque Joe Biden foi forçado a aceitar a relação energética entre a Rússia e a Alemanha», explicando: «a retirada de sanções relativas ao gasoduto Nord Stream 2 é uma tentativa de empurrar a Alemanha para uma confrontação com a China». Mas duvida que a Alemanha esteja interessada. O mais provável sucessor de Merkel, Armin Laschet, parece corroborar (Financial Times, 21.6.21). Não se trata de boas intenções. É apenas a confirmação de que a parada e os perigos são muito elevados.




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