Das linhas vermelhas

João Frazão

Questionado sobre se fazer acordos com o Chega, nos Açores, corresponderia a uma atitude eticamente aceitável, Rui Rio, o Presidente do PSD, diz que não se deve ostracizar essa gente, que o que é preciso é traçar-lhe linhas vermelhas.

RR é claro o suficiente. Falando de um seu sucedâneo, considera-o respeitável bastante para, nos Açores ou em qualquer outro lugar, andar com ele de braço dado, como se de um cavalheiro da sociedade se tratasse.

Sucedâneo que nasceu dos reaccionários que, em determinado período histórico, encontraram no PSD o covil ideal para fazer hibernar os seus objectivos de destruição do regime democrático, travestisdos da mais recomendável social-democracia, dignos de se pavonearem nos salões do grande capital, que os alimentou e manteve, adormecidos mas activos, prontos para se juntarem a outros que, ao longo de décadas, mantiveram a sua acção desagregadora contra Abril.

Sucedâneo a quem se traçam linhas vermelhas tão lactas que incluem retirar aos mais pobres dos pobres os parcos apoios com que a sociedade decidiu atenuar a ausência de respostas nos planos económico e social.

Mas o que é mais significativo nas declarações de RR não é isso. O que verdadeiramente tem de ser tido em conta na acção de todos os democratas, enquanto alguns acenam com o perigo (real, é certo) do truculento CH ou do mais polido, mas não menos fascizante, IL, é que é o próprio líder do PSD, com quem o PS sempre se apronta para estabelecer pactos de regime e acordos para as chamadas reformas estruturais, que defende, de forma paulatina e persistente, a necessidade de mudanças no regime defendendo para isso uma revisão da Constituição.

Sete revisões não lhes são suficientes, não cumprem ainda todos os seus objectivos de limitação das amplas liberdades e direitos conquistadas com a Revolução, de reconfiguração do regime e de consolidação da recuperação monopolista e latifundista, de legitimação da apropriação pelos grupos económicos dos sectores estratégicos e das funções sociais do Estado, de formatação da justiça ainda mais ao serviço dos poderosos, de entrega da soberania e da independência nacionais.

Com estas linhas vermelhas, compreende-se que o Chega esteja à vontade.

É que isto das linhas vermelhas é como a água benta. Cada qual toma as que quer.




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