Este espectáculo não é para velhos
Realizaram-se nos últimos fins-de-semana quatro espectáculos, em Braga, Lisboa e Coimbra, que funcionaram como «eventos teste» para as normas de funcionamento das iniciativas culturais. Segundo a Ministra da Cultura, o objectivo é perceber se se pode «ir mais além relativamente às regras com que hoje estamos a trabalhar».
Os espectáculos, de música e de humor, tiveram várias modalidades: mais ou menos centenas de espectadores, nuns sentados, noutros de pé, em sala e ao ar livre. Em comum, a obrigatoriedade da apresentação de um teste negativo à COVID-19 realizado nas horas anteriores ao espectáculo, e limitações etárias. Mais concretamente, os espectadores tinham de ter entre os 18 e os 65 anos.
Se a limitação inferior se pode compreender – é no mínimo questionável a necessidade de sujeitar crianças e jovens saudáveis a testes à COVID – já o mesmo não se pode dizer da proibição de adultos com mais de 65 anos poderem assistir aos espectáculos.
A intenção deve ser a melhor. Proteger os mais frágeis e tal. Mas esta medida encaixa em cheio numa linha de estigmatização das pessoas mais velhas que é inaceitável. Numa linha de preconceito, menorização, paternalismo e isolamento de que já vimos muitas variantes, umas vezes com o intuito de proteger, outras nem por isso.
É uma discriminação que não tem qualquer base científica, muito menos num período em que uma percentagem muito significativa, acima dos 70%, dos cidadãos portugueses com mais de 65 anos já estão vacinados, se não completamente, pelo menos com a primeira dose. Qual é então a base legal e epidemiológica para esta discriminação? Qual é a relevância científica de um «evento teste» que não inclui uma amostra real da população?
É uma discriminação que merece denúncia e que deve ser rejeitada. O direito de todos, sem discriminações de qualquer ordem, à cultura, à produção e à fruição cultural não pode ser questionado. Antes pelo contrário: merece que se estudem com determinação, energia e criatividade todas as medidas necessárias para promover a cultura, com ou sem epidemia. Merece sobretudo que os maiores de 65 anos exerçam com alegria todos os seus direitos, para uma vida feliz e completa.