Este espectáculo não é para velhos

Margarida Botelho

Re­a­li­zaram-se nos úl­timos fins-de-se­mana quatro es­pec­tá­culos, em Braga, Lisboa e Coimbra, que fun­ci­o­naram como «eventos teste» para as normas de fun­ci­o­na­mento das ini­ci­a­tivas cul­tu­rais. Se­gundo a Mi­nistra da Cul­tura, o ob­jec­tivo é per­ceber se se pode «ir mais além re­la­ti­va­mente às re­gras com que hoje es­tamos a tra­ba­lhar».

Os es­pec­tá­culos, de mú­sica e de humor, ti­veram vá­rias mo­da­li­dades: mais ou menos cen­tenas de es­pec­ta­dores, nuns sen­tados, nou­tros de pé, em sala e ao ar livre. Em comum, a obri­ga­to­ri­e­dade da apre­sen­tação de um teste ne­ga­tivo à COVID-19 re­a­li­zado nas horas an­te­ri­ores ao es­pec­tá­culo, e li­mi­ta­ções etá­rias. Mais con­cre­ta­mente, os es­pec­ta­dores ti­nham de ter entre os 18 e os 65 anos.

Se a li­mi­tação in­fe­rior se pode com­pre­ender – é no mí­nimo ques­ti­o­nável a ne­ces­si­dade de su­jeitar cri­anças e jo­vens sau­dá­veis a testes à COVID – já o mesmo não se pode dizer da proi­bição de adultos com mais de 65 anos po­derem as­sistir aos es­pec­tá­culos.

A in­tenção deve ser a me­lhor. Pro­teger os mais frá­geis e tal. Mas esta me­dida en­caixa em cheio numa linha de es­tig­ma­ti­zação das pes­soas mais ve­lhas que é ina­cei­tável. Numa linha de pre­con­ceito, me­no­ri­zação, pa­ter­na­lismo e iso­la­mento de que já vimos muitas va­ri­antes, umas vezes com o in­tuito de pro­teger, ou­tras nem por isso.

É uma dis­cri­mi­nação que não tem qual­quer base ci­en­tí­fica, muito menos num pe­ríodo em que uma per­cen­tagem muito sig­ni­fi­ca­tiva, acima dos 70%, dos ci­da­dãos por­tu­gueses com mais de 65 anos já estão va­ci­nados, se não com­ple­ta­mente, pelo menos com a pri­meira dose. Qual é então a base legal e epi­de­mi­o­ló­gica para esta dis­cri­mi­nação? Qual é a re­le­vância ci­en­tí­fica de um «evento teste» que não in­clui uma amostra real da po­pu­lação?

É uma dis­cri­mi­nação que me­rece de­núncia e que deve ser re­jei­tada. O di­reito de todos, sem dis­cri­mi­na­ções de qual­quer ordem, à cul­tura, à pro­dução e à fruição cul­tural não pode ser ques­ti­o­nado. Antes pelo con­trário: me­rece que se es­tudem com de­ter­mi­nação, energia e cri­a­ti­vi­dade todas as me­didas ne­ces­sá­rias para pro­mover a cul­tura, com ou sem epi­demia. Me­rece so­bre­tudo que os mai­ores de 65 anos exerçam com ale­gria todos os seus di­reitos, para uma vida feliz e com­pleta.




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