A aparência e a essência

António Santos

A Cimeira do Alasca, entre os EUA e a China, terminou na semana passada com um único consenso: não há consenso possível entre a soberania chinesa e a agenda imperialista estado-unidense.

No final do encontro, o secretário de Estado da administração Biden, Antony Blinken, retirou da gaveta todo o arsenal semântico da Guerra Fria para justificar por que «as duas grandes potências continuam fundamentalmente em confronto». Por seu turno, Yang Jiechi, director da Comissão Central de Negócios Estrangeiros do Partido Comunista Chinês, manifestou a sua preocupação com os atropelos dos direitos humanos de imigrantes e negros nos EUA e expressou a sua «enérgica oposição à interferência dos EUA nos assuntos internos da China», denunciando a prática estado-unidense de recorrer à «força militar e à hegemonia financeira para exercer uma “jurisdição de braço longo” e suprimir outros países».

A apreensão chinesa é justificada: desde que tomou posse, a administração Biden vem trilhando um retorno ao «multilateralismo» do chamado Pivô Asiático da era Obama, que se apoiava nas alianças que se consumaram na sequência da II Guerra Mundial para dominar a região e manietar a China. É à luz desta estratégia que se deve entender que o primeiro encontro de Biden com um chefe de Estado estrangeiro, agendado para Abril, seja com o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga. Para os chineses, a mensagem é clara, e evoca memórias históricas de colonização e genocídio.

Na mesma esteira, é útil recordar como, nas duas semanas que antecederam a cimeira, a diplomacia americana percorreu os gabinetes dos líderes da Índia da Coreia do Sul e do Japão, organizando exercícios militares, discutindo os encargos das 380 mil tropas com que o Comando Indo-pacífico dos EUA ocupa a região e acicatando os imperialistas sub-contratados a exercerem coordenadamente uma maior pressão sobre a China.

O imperialismo multilateral de Biden encontra, na verdade, eco em várias iniciativas de Trump, agora ressuscitadas sob a égide do «progressismo» democrata. Um exemplo revelador é o Quad, ou Diálogo de Segurança Quadrilateral, que reúne os EUA, o Japão, a Índia e a Austrália numa aliança militar que já ganhou o epíteto de «NATO asiática».

Embora sempre haja uma relação dialéctica entre a essência e a aparência, é um erro antigo, mil vezes demonstrado pela História, julgar a essência em função da aparência. No caso da política externa dos EUA, mesmo com outras roupagens, caras mais agradáveis e palavras menos chocantes, a política é a mesma. A postura dos EUA perante um tema tão essencial como a China não deixa margem para aparências.




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