Crimes sem castigo

Gustavo Carneiro

A 30 de Janeiro começou em França o julgamento de várias multinacionais da indústria química (entre elas a Bayer-Monsanto e a Dow Chemical) que venderam aos EUA o Agente Laranja utilizado massivamente como desfolhante na agressão militar ao Vietname: estima-se que entre 1961 e 1971 tenham sido despejados sobre as florestas do Sul desse país, como nas do Laos e do Cambodja, 76 milhões de litros deste produto.

Segundo a Associação Vietnamita de Vítimas do Agente Laranja, 4,8 milhões de pessoas foram expostas a este químico e são três milhões os que actualmente vivem com as suas consequências, entre as quais se incluem a diminuição da imunidade, os distúrbios endócrinos, neurológicos e reprodutivos, os cancros e as malformações, muitas delas particularmente graves e incapacitantes. Ninguém sabe ao certo quantas gerações poderão vir a ser afectadas, mas são muitos os bebés que, ainda hoje, nascem condenados a viver estes e outros dramas.

O processo judicial foi movido pela cidadã franco-vietnamita Tran To Nga, exposta à dioxina em 1966, quando era uma jovem jornalista e activista patriótica no Vietname do Sul. Desde então, desenvolveu diabetes e alergias raras, padeceu de cancro e contraiu tuberculose por duas vezes. Uma das suas filhas morreu com uma malformação no coração e as netas também já têm doenças. «Não luto por mim, mas pelos meus filhos e por milhões de vítimas», afirmou antes do início do julgamento, que muitos consideram já histórico, pelo precedente legal que poderá abrir.

Até ao momento, apenas veteranos militares norte-americanos, australianos e sul-coreanos foram indemnizados pelos efeitos do Agente Laranja, precisamente por algumas das empresas que agora enjeitam qualquer responsabilidade pelo modo como o exército norte-americano utilizou os seus produtos. Ao mesmo tempo, nem um dos milhões de vietnamitas, laocianos ou cambojanos expostos ao químico (e os seus filhos e netos) foi sequer considerado vítima em qualquer processo judicial internacional, pese embora os esforços feitos durante décadas nesse sentido pelas autoridades da República Socialista do Vietname.

Este está longe de ser o único crime lento, cruel, hereditário, cometido pelo imperialismo nesse crime maior que é a guerra: a radiação ainda faz vítimas em Hiroxima e Nagasáqui, assim como nos Balcãs e no Iraque, onde foram usadas em grande escala munições com urânio empobrecido. Todos sem excepção permanecem por julgar.

Independentemente de qual venha a ser a decisão do tribunal francês, que deverá ser conhecida em Maio, o principal criminoso ficará impune, pois nem sequer está sentado no banco dos réus. O seu julgamento será feito pela História. O veredito, esse, foi já ditado.




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