«A nossa prioridade é a saúde»

Ângelo Alves

A saga dos con­tratos entre a Co­missão Eu­ro­peia e as seis mul­ti­na­ci­o­nais far­ma­cêu­ticas com as quais con­tra­tu­a­lizou o for­ne­ci­mento de va­cinas contra o SARS-COV2 con­tinua. Como sempre o grande ca­pital age em função do lucro. O facto de as grandes far­ma­cêu­ticas es­tarem a des­res­peitar acordos es­ta­be­le­cidos, porque estão a vender va­cinas a preços di­fe­ren­ci­ados, não nos deve sur­pre­ender. É a velha má­xima: vender a quem dá mais. Num mo­mento em que Por­tugal de­veria usar de todas as suas «armas» di­plo­má­ticas que per­mi­tissem o acesso rá­pido e ao menor custo pos­sível às va­cinas, in­cluindo por acordo para pro­dução no nosso País, aquilo que vemos é um país de­pen­dente de en­ten­di­mentos e de­sen­ten­di­mentos da Co­missão Eu­ro­peia com gi­gantes como a Pfizer ou a As­tra­Ze­neca. Dir-se-á que Por­tugal é um país pe­queno, sem ca­pa­ci­dade fi­nan­ceira para ne­go­ciar com os gi­gantes far­ma­cêu­ticos. E é exac­ta­mente por isso que Por­tugal de­veria ter se­guido ou­tros ca­mi­nhos.

Há um país, com uma po­pu­lação si­milar à nossa, que irá pro­duzir 100 mi­lhões de doses de uma va­cina cha­mada «So­be­rana», tendo mais três em fases fi­nais de testes. Não é um país rico e é alvo de um blo­queio eco­nó­mico há mais de 60 anos. Esse país, onde desde o início da pan­demia mor­reram 213 pes­soas, é Cuba. Irá não só as­se­gurar a ino­cu­lação de toda a sua po­pu­lação, como irá as­sinar acordos, es­ta­tais, com países como o Vi­et­name, Irão, Ve­ne­zuela, Pa­quistão e Índia. A va­cina será gra­tuita em Cuba, e será for­ne­cida a ou­tros países. Se­gundo os res­pon­sá­veis cu­banos «a es­tra­tégia de Cuba para co­mer­ci­a­lizar a va­cina é uma com­bi­nação hu­ma­ni­tária e de im­pacto na saúde, aliada à ne­ces­si­dade de o sis­tema cu­bano apoiar (fi­nan­cei­ra­mente) a pro­dução de va­cinas e me­di­ca­mentos para o país». «Não somos uma em­presa mul­ti­na­ci­onal na qual o re­torno [fi­nan­ceiro] é a razão nú­mero um. Tra­ba­lhamos di­fe­rente, a nossa pri­o­ri­dade é a saúde». Está tudo dito!




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