O vaci-negócio

Jorge Cadima

A negociata assegura lucros colossais às grandes farmacêuticas

A saga das vacinas COVID está a virar uma «bagunça» (Financial Times, 30.1.21). Em final de Janeiro, «apenas 2% da população adulta da UE recebeu as vacinas» (Guardian 28.1.21) e sucedem-se azedas trocas de acusações sobre responsabilidades. Mas extraordinários são mesmo os contratos entre governos das potências capitalistas e a grande indústria farmacêutica.

O New York Times publicou (28.1.21) um artigo com o título: «Governos assinam acordos secretos de vacinas: eis o que escondem», onde diz: «Os governos têm gasto milhares de milhões de dólares para ajudar as empresas farmacêuticas a desenvolver vacinas e estão a gastar milhares de milhões adicionais para comprar as doses. Mas os pormenores desses acordos permanecem em boa medida secretos». As transferências de fundos públicos são colossais: «A empresa de biotecnologia Moderna não apenas baseou a sua vacina em tecnologia desenvolvida por entidades públicas, como recebeu mil milhões de dólares em financiamentos estatais para desenvolver o fármaco. Em Agosto o governo fez uma encomenda inicial de vacinas no montante de 1,5 mil milhões de dólares. A empresa já disse que o projecto foi integralmente pago pelo Governo Federal. […] Mas apesar dos colossais investimentos do contribuinte, tipicamente as empresas farmacêuticas ficam detentoras da totalidade das patentes»! O artigo relata que os esforços de vários países para que essa «propriedade intelectual» seja levantada «permitindo a produção de vacinas por laboratórios genéricos» está «condenada ao fracasso pela oposição dos EUA e Europa [União Europeia], cujas farmacêuticas afirmam que as patentes, e os lucros que geram, são a seiva vital da inovação». Tese interesseira, contraditada pelo que o próprio artigo relata sobre a origem pública da tecnologia subjacente à vacina da Moderna.

O escândalo não acaba aqui: «Um dos elementos fundamentais dos contratos de vacinas – o preço por dose – é frequentemente censurado nas versões públicas dos contratos governamentais. As empresas consideram-no um segredo comercial. […] Ao insistirem que os preços sejam confidenciais, as farmacêuticas levam vantagem sobre os negociadores governamentais, que desconhecem os montantes que estão a ser pagos por outros países». Da mesma forma, «os tempos de entrega são considerados informação proprietária» e «nos Estados Unidos, as farmacêuticas estão protegidas de praticamente qualquer responsabilidade legal no caso das suas vacinas não funcionarem ou provocarem efeitos secundários sérios».

A ‘bagunça’ é também uma negociata que assegura lucros colossais às grandes farmacêuticas, independentemente da eficácia que as vacinas venham a revelar ou dos seus eventuais efeitos secundários. É no que dá a promiscuidade entre governos e grande capital. Veja-se Durão Barroso, que de Primeiro Ministro passou (pela porta da Cimeira das Lajes) para a Presidência do Conselho Europeu, a Goldman Sachs e agora também a Presidência da Aliança Global pelas Vacinas (GAVI) que o Jornal Económico (29.9.20) descreve como «uma parceria público-privada» de âmbito mundial onde também pontifica a Fundação de Bill Gates. Mas nestas «parcerias» o público paga e o privado lucra, seja qual for o resultado do serviço. É sempre assim quando manda o grande capital.



Mais artigos de: Opinião

Capitalismo sem freios

De acordo com o relatório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), o número de crianças vítimas de tráfico humano triplicou nos últimos 15 anos, sendo factor de peso no seu agravamento o impacto da pandemia COVID-19, que deixa as vítimas mais vulneráveis. Por sua vez, o Relatório Global sobre Tráfico de...

«A nossa prioridade é a saúde»

A saga dos contratos entre a Comissão Europeia e as seis multinacionais farmacêuticas com as quais contratualizou o fornecimento de vacinas contra o SARS-COV2 continua. Como sempre o grande capital age em função do lucro. O facto de as grandes farmacêuticas estarem a desrespeitar acordos estabelecidos, porque estão a...

Vacinas: o que importa questionar?

É deprimente o espectáculo que nos é servido diariamente pelas televisões, numa espécie de caça às bruxas, sempre que se verificam situações de utilização indevida na toma de vacinas contra a covid-19. Todos os abusos são condenáveis neste domínio, sobretudo quando partem de altos responsáveis no aparelho de estado, mas...

A bolsa ou a vida?

Um imperativo moral: é desta forma que o director-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) denomina a necessidade de se proceder a uma distribuição equitativa das vacinas contra a COVID-19, para que cheguem a todos quantos delas precisem – vivam onde viverem, tenham a nacionalidade e condição social que tiverem. Este...

Interior: somam-se os anúncios, silenciam-se os resultados!

Cada vez que falamos do chamado Interior nunca é demais o alerta para o olhar sobre o mesmo. É necessário continuar a insistir que os problemas existentes nestes territórios não lhe são inerentes, mas consequências de políticas seguidas. E a insistência a que assistimos é a perpetuação de modelos que visam gerir o seu «natural declínio»em vez de o inverter.