A bolsa ou a vida?
Um imperativo moral: é desta forma que o director-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) denomina a necessidade de se proceder a uma distribuição equitativa das vacinas contra a COVID-19, para que cheguem a todos quantos delas precisem – vivam onde viverem, tenham a nacionalidade e condição social que tiverem. Este objectivo, essencial para um eficaz combate à pandemia, está «seriamente ameaçado» pela atitude dos países ricos, que têm vindo a açambarcar as principais vacinas, denuncia Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Até ao passado dia 22, tinham já sido administradas 40 milhões de doses em meia centena de países mais desenvolvidos. Ao mesmo tempo que, na África subsaariana (e num país apenas, a Guiné), apenas tinham sido administradas 25: «não 25 milhões, não 25 mil, mas 25», desabafou Ghebreysus. Segundo as contas da OMS, 75% das vacinas dadas até esse momento foram-no em apenas 10 países. A isto acresce o facto de um núcleo restrito de Estados (que reúnem apenas 14% da população mundial) ter adquirido mais de metade das principais vacinas disponíveis, incluindo todas asda Moderna e 96% das da Pfizer.
Segundo vários especialistas, nove em cada 10 pessoas dos países mais pobres poderão não ser vacinadas em 2021, entre elas muitas que se incluem nos chamados grupos de risco: não fossem a russa Sputnik V, a chinesa Coronavac e a cubana Soberana, que estão (ou virão) a ser distribuídas a preços acessíveis em diversos países africanos, asiáticos e latino-americanos, e a desigualdade seria ainda maior.
Mas mesmo nos países ditos desenvolvidos, e entre eles, a distribuição é tudo menos equitativa: a vacinação racista em Israel (que praticamente exclui as populações árabes) e a recente guerra entre o Reino Unido e a União Europeia são apenas dois exemplos.
Numa reunião recente da Organização Mundial do Comércio, 99 dos seus 164 estados-membros propuseram a suspensão temporária das patentes de vacinas e medicamentos eficazes no combate à COVID-19, de modo a tornar os extraordinários avanços científicos e tecnológicos entretanto alcançados acessíveis a toda a Humanidade.
A iniciativa recebeu o apoio de várias organizações internacionais e do director-geral da OMS. Mas não passou, graças à oposição da generalidade dos países europeus (incluindo Portugal), dos EUA e do Canadá, da Austrália e do Brasil, de Israel e do Japão, que privilegiaram os lucros em vez da vida humana: tinham razão Marx e Engels quando há mais de 170 anos afirmaram que, no capitalismo, o Estado é uma comissão administrativa dos negócios da burguesia – neste caso, dos monopólios farmacêuticos. É assim o capitalismo: explorador, desumano, assassino, sem um pingo de moral. Sempre foi, agora é apenas mais visível.