A muralha
No meio do marketing, há quem garanta que não existe má publicidade, apenas publicidade e este parece ser também o mote da extrema-direita, em Portugal e um pouco por todo o mundo. Com apoios bem posicionados no sistema mediático, e em toda a teia de poder que o domina, é ela quem hoje marca o ritmo da agenda política: não há proposta (por mais ilegal, imoral e estapafúrdia que seja), ofensa, mentira ou difamação que não encontre câmaras e microfones zelosos de a amplificar. Aos demais, é-lhes pedido apenas que respondam, que comentem, que reajam.
Lamentavelmente, há sempre quem, por cálculo eleitoral ou apetência mediática, se disponha a uma boa luta na lama (para utilizar uma expressão em voga por estes dias) e a enfrentar a extrema-direita no terreno e nos termos por esta escolhidos – por mais que, como parece ser o caso, isso beneficie precisamente quem se afirma querer combater. O cenário fica completo com desesperados apelos de ocasião à unidade e a votos pretensamente úteis.
Não há, sabemo-lo, um manual de instruções ou uma receita instantânea para impedir o avanço da extrema-direita, mas não partimos do zero para esta luta, que travamos desde há muito. O mínimo que se pode dizer, aliás, é que conhecemos bem o que enfrentamos.
Se alguma coisa a história já mostrou a este respeito, e a densa rede de apoios e financiamentos actuais confirma, é que o fascismo não é alheio ao sistema capitalista, mas um instrumento de choque da classe dominante – ou de parte dela – para alcançar o que não lhe seria possível sem a remoção de alguns obstáculos (que vão das liberdades e direitos democráticos a organizações políticas e sociais). De pouco vale combatê-lo como se ameaçasse apenas determinadas pessoas ou grupos sociais e não a grande maioria da população. Como de nada servem afirmações altissonantes contra a extrema-direita quando, ao mesmo tempo, se ajuda a manter ou até a agravar o caldo de insatisfação que a alimenta. Se não há nem pode haver dúvidas quanto à absoluta necessidade de travar o passo ao seu avanço, isso não se faz cedendo à agenda fascizante – antidemocrática e securitária – em nome de um qualquer mal menor e ao serviço dos mesmíssimos interesses.
A derrota dos projectos reaccionários congeminados pelo grande capital começa na luta concreta, corajosa, quotidiana para responder aos anseios e necessidades das pessoas, valorizando os seus direitos e aprofundando a democracia que os garante. Neste combate, a Constituição da República é simultaneamente programa e plataforma de convergência e unidade. E é também muralha, que teremos de manter impenetrável.