Critérios e candidatos
A definição de critérios editoriais para a cobertura jornalística de uma campanha eleitoral é importante. Mais importante é que os mesmos critérios não sirvam para impor práticas discriminatórias. Convém, no fim de contas, que tais critérios editoriais sejam cumpridos.
Os principais órgãos de comunicação social assumiram uma opção relativamente a esta campanha para as eleições presidenciais de Janeiro, fingir que não estava a acontecer. A razão é simples: um dos candidatos andou até há uns dias a adiar o anúncio de candidatura, e a imprensa foi esperando por ele.
Acontece que esse candidato, Marcelo Rebelo de Sousa, é também Presidente da República em exercício. Desta forma detém uma presença inigualável no espaço mediático. A opção de ignorar a campanha resultou na aparição do Presidente-ainda-não-candidato Marcelo a toda a hora e todos os dias, do mais formal anúncio de declaração do Estado de Emergência à mais singela condecoração de um apresentador de televisão, por exemplo, nos principais noticiários da RTP. Uma exposição a que nenhum outro candidato teve direito, já para não falar do monólogo em forma de entrevista realizado no início de Novembro.
Não é às televisões, às rádios e aos jornais que se devem pedir contas pela inusitada estratégia eleitoral de Marcelo – a de guardar para o derradeiro momento o anúncio da que todos sabiam ser a sua intenção. O facto de ter decisões importantes a tomar não passa de uma desculpa, já que continuará Presidente da República no pleno exercício das suas funções até à eleição. Entretanto, já decretou mais uma renovação do Estado de Emergência sem qualquer problema. Mesmo depois da eleição e caso não seja reeleito, continuará na posse dos poderes que a Constituição da República Portuguesa lhe confere até ao último dia do seu mandato.
Está visto que a intenção do atraso foi só uma: atrasar também o momento em que passaria a ser tratado como candidato. No entanto, como vimos, o tabu mediático não envolveu apenas a sua candidatura, mas toda a campanha. Neste aspecto, a responsabilidade não é exclusiva de Marcelo. A generalidade dos órgãos de comunicação social sabia as consequências perversas para que as várias candidaturas (as que já existiam e as que todos sabíamos que viriam a aparecer) tivessem presença no espaço mediático.
A verdade é que, nalguns casos, nem mesmo estes critérios enviesados foram cumpridos. As mesmas estações de televisão (RTP e TVI) que não deram ao acto de formalização da candidatura de João Ferreira valor para figurar nos noticiários das 20h00, deram-no para a formalização de outras duas candidaturas na semana seguinte. Do mesmo modo, vêm tratando insistentemente as querelas no seio do PS, resultando na exposição mediática desproporcional da candidatura de Ana Gomes.
Não haja dúvidas de que a candidatura de João Ferreira é indispensável e insubstituível nesta batalha eleitoral. Porém, a sua ocultação no plano mediático torna imperativo que cada um não falte com o seu contributo para que esta chegue a cada rua, a cada bairro, a cada empresa.