UE: «soberania» imperialista

Ângelo Alves

As san­ções im­postas pela UE vi­olam o di­reito in­ter­na­ci­onal

As con­clu­sões do Con­selho Eu­ropeu nos dias 10 e 11 de De­zembro – e o con­junto de de­ci­sões que o an­te­ce­deram e o vão su­ceder – con­firmam uma es­tra­tégia de tirar par­tido da ac­tual si­tu­ação para tentar di­rimir con­tra­di­ções e levar a cabo novos saltos de apro­fun­da­mento da União Eu­ro­peia. A agenda não é nova.

No seu dis­curso de Se­tembro no Par­la­mento Eu­ropeu, no cha­mado «Es­tado da União», a pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia já tinha sido muito clara nas ori­en­ta­ções que coin­cidem, não sur­pre­en­den­te­mente, com a es­tra­tégia e as ma­ni­pu­la­ções ide­o­ló­gicas ema­nadas dos si­nis­tros cor­re­dores do Fórum de Davos em torno da ideia do «re­nas­ci­mento» ou «re­co­meço» do ca­pi­ta­lismo, agora apre­sen­tado como «di­gital», «verde», «so­cial», «para todos».

As pri­o­ri­dades do trio de pre­si­dên­cias (onde se in­clui a por­tu­guesa) e as con­clu­sões do Con­selho Eu­ropeu apontam todas no mesmo sen­tido. De­baixo de uma capa «so­cial», de que o pilar eu­ropeu dos di­reitos so­ciais é «marca», tentar o de­sen­vol­vi­mento de re­no­vadas fi­leiras de acu­mu­lação e cen­tra­li­zação de ca­pital – as cha­madas «agendas verde e di­gital» –, no­me­a­da­mente com a cen­tra­li­zação da de­cisão sobre in­ves­ti­mentos de acordo com os pro­jectos e in­te­resses dos grandes mo­no­pó­lios e das prin­ci­pais po­tên­cias; alargar e apro­fundar o mer­cado único em va­ri­adas áreas (com as con­se­quentes ondas pri­va­ti­za­doras), como é exemplo o pro­jecto da «União da Saúde», entre vá­rios ou­tros; ins­ti­tu­ci­o­na­lizar me­ca­nismos adi­ci­o­nais de de­pen­dência, im­po­sição e in­ge­rência, como é o caso dos novos con­di­ci­o­na­lismos agora as­so­ci­ados ao Or­ça­mento da UE e ao Fundo de Re­cu­pe­ração, com a lenga-lenga das «re­formas es­tru­tu­rais» e a ins­ti­tu­ci­o­na­li­zação da in­ge­rência po­lí­tica e ide­o­ló­gica; trans­ferir ainda mais par­celas da so­be­rania na­ci­onal para o plano su­pra­na­ci­onal, como é o caso dos «re­cursos pró­prios» do Or­ça­mento da União Eu­ro­peia; apro­fundar a de­riva se­cu­ri­tária, in­vo­cando o ter­ro­rismo, a «se­gu­rança di­gital», a «de­fesa dos va­lores», ou ins­tru­men­ta­li­zando hi­po­cri­ta­mente a questão das mi­gra­ções; e, fi­nal­mente, lu­bri­ficar e acen­tuar a na­tu­reza im­pe­ri­a­lista e in­ter­ven­ci­o­nista da União Eu­ro­peia.

Sobre este úl­timo as­pecto, a União Eu­ro­peia in­voca sempre dois ar­gu­mentos de fundo para de­fender a sua dita «po­lí­tica ex­terna e de se­gu­rança»: a UE «é um es­paço que pri­vi­legia a paz, o diá­logo, e a di­plo­macia» e tem de ter «a sua pró­pria iden­ti­dade». Ora, o Con­selho acaba de adoptar duas de­ci­sões que mais uma vez com­provam a total fal­si­dade de tais pres­su­postos. Aprovou um sis­tema de san­ções que manda às malvas vá­rios as­pectos do Di­reito In­ter­na­ci­onal e do tal diá­logo. Já a sua iden­ti­dade pró­pria é es­ma­gada pela nova pro­fissão de fé de le­al­dade aos EUA, e de sub­missão a quase todas as agendas da Ad­mi­nis­tração en­trante, in­cluindo o re­forço do mi­li­ta­rismo e da NATO.

Pelo meio, os «va­lores eu­ro­peus», tão in­vo­cados para impor me­ca­nismos de in­ge­rência po­lí­tica e ide­o­ló­gica «dentro de portas», ficam na ga­veta quanto à Tur­quia, à Ucrânia e à abs­tenção na ONU de re­so­lu­ções que con­denam o nazi-fas­cismo ou re­co­nhecem os Montes Golã como ter­ri­tório Sírio, ou ainda quando a UE alinha com os EUA na agenda de­ses­ta­bi­li­za­dora na Ve­ne­zuela, nas re­no­vadas pres­sões e pro­vo­ca­ções contra o Irão ou quando se sub­mete à agenda norte-ame­ri­cana em va­ri­ados do­mí­nios, es­can­ca­rando as portas à tão al­me­jada «frente unida» contra a China. É caso para dizer que a tal «so­be­rania eu­ro­peia» de que fa­lava Ma­cron, é, como sempre foi, a «so­be­rania im­pe­ri­a­lista».

 



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