Artistas

Anabela Fino

«O assassinato do actor Bruno Candé é uma tragédia mas nada tem, segundo os dados conhecidos até ao momento, a ver com racismo». A afirmação consta numa nota do Chega, que deplora o alegado «aproveitamento político que a esquerda faz destes episódios».

Designar por «episódio» o assassinato premeditado de um ser humano – a vítima estava sentada num banco, na via pública, quando foi alvejada várias vezes, à queima-roupa – soa a lapsus linguae de quem vem para a rua gritar que a «sociedade portuguesa não é racista» mas anda de braço dado com supremacistas brancos e acha muito natural expressões como «preto de m....» ou «vai para a tua terra».

Diga-se em abono da verdade que a preocupação em retirar a conotação racista ao crime de Loures não foi exclusiva do partido da nova coqueluche do empresariado português que medra à custa do Estado. A fita do tempo dos acontecimentos apresentada na comunicação social é esclarecedora a esse respeito. Talvez porque a bestialidade do crime, que o carácter racista agrava ainda mais, cola mal com a imagem que se quer passar de André Ventura como político «brilhante», que «faz propostas honestas, pretende pôr o país na ordem, combater a impunidade e fazer a economia florescer», como afirmou um empresário que diz ter «excelentes contactos nas forças policiais e militares».

O mesmo se passa, de resto, quando se trata de classificar o Chega, ou, se quisermos aprofundar a questão, quando se trata de Salazar e do Estado Novo, de há uns tempos para cá em franca recuperação pela pena de «historiadores» para quem o fascismo nunca existiu em Portugal.

A estratégia parece ser a de levar o debate para o campo dos conceitos. Como se ser fascista, de extrema-direita, xenófobo, racista implicasse hoje um discurso e uma praxis idênticos aos do século passado. É o recurso dos «artistas» ao velho expediente: «afinal, o que é arte?», para lançar a confusão.

Que um investigador venha defender que o Chega não é um partido fascista nem racista, mas sim radical e antissistema, não é muito diferente de dizer que o Estado Novo foi apenas um regime autoritário conservador. Como se Salazar não tivesse chegado ao poder pela mão dos militares que levaram a cabo o golpe de Estado de 28 de Maio de 1926; não tivesse criado a União Nacional; abolido os partidos e proibido os sindicatos; imposto a censura; criado a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, antecessora da PIDE; o Campo de Concentração do Tarrafal; torturado e assassinado opositores políticos...

Tal como em relação a Ventura, também de Salazar se diz que não era racista, mas sim

paternalista em relação aos negros. Pois. O «preto da Casa Africana», carregado de embrulhos, durante décadas naquela loja de Lisboa, não era símbolo de racismo, só décor. Afinal, o que é a arte?



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