Em cada esquina um amigo

Gustavo Carneiro

Como em qualquer revolução, em Abril houve quem tenha vencido e quem tenha sido derrotado. Desde essa madrugada que esperávamos, e nos meses e anos que se lhe seguiram, milhões festejaram a libertação tão duramente conquistada e participaram na construção do País novo, que finalmente sentiam como seu. Ao mesmo tempo que um punhado de outros, privados de muitos dos privilégios que o fascismo lhes garantiu, conspiravam na sombra, aguardando melhores dias. Como qualquer revolução, Abril fez-se por mas também contra algo: pela liberdade, o progresso e a paz; contra a opressão, a exploração e a guerra.

Durante quase meio século, os donos do País muniram-se de uma terrível máquina repressiva para que esse Abril nunca acontecesse. No próprio dia 25 de Abril, ainda o quartel do Carmo estava cercado e já havia quem procurasse limitar o alcance da gesta heróica dos soldados e capitães, unidos ao povo. Desde o primeiro minuto, sempre houve quem tenha tentado travar as conquistas da Revolução, e, de então para cá, quem as procure destruir: uns de forma aberta e assumida, outros de cravo vermelho ao peito.

Os valores de Abril estão desde há quatro décadas e meia no centro da disputa política e social em Portugal: de um lado, os que os defendem e afirmam; do outro, os que pretendem limitá-los, obscurecê-los, afastá-los da consciência colectiva do povo português. As mais arrojadas conquistas revolucionárias bem podem ter já sido destruídas e o capital monopolista recuperado muito do poder perdido, mas Abril vive em cada direito que se defende e conquista, nos retrocessos que se consegue travar e impedir, no rumo emancipador que projecta e que mostrou ser possível.

Este ano, aproveitando o surto de COVID-19, alguns viram a oportunidade para, de uma vez, ajustar contas com Abril. Não satisfeitos com o cancelamento das habituais comemorações populares, quiseram até bani-las da Assembleia da República, sob absurdos e falsos pretextos – havendo sempre quem zelosamente os difundisse e se esforçasse por os credibilizar. Correu-lhes mal, uma vez mais. Não só a sessão parlamentar se realizou (com todas as precauções sanitárias que se impunham, mas também com a solenidade que o momento exigia), como Abril foi celebrado, com especial e emotivo entusiasmo, em todo o País e mesmo para lá dele.

De muitos milhares de janelas decoradas a preceito ecoou Grândola, Vila Morena, nas vozes dos combatentes de todos os dias e nas de tantos outros, que nesta curva tão apertada se aperceberam, talvez como poucas vezes antes, que é nos valores de Abril que reside o futuro – e, para muitos, agora também o presente – a que aspiram.



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