Apoio à comunicação social - quem e porquê?

Carlos Gonçalves (Membro da Comissão Política)

Im­porta res­ponder às ques­tões ele­men­tares – o quê, quem, como, porquê – para que seja pos­sível a lei­tura ob­jec­tiva dos factos. Neste caso, trata-se de per­ceber a pro­posta do BE pos­tada na sua pá­gina na In­ternet às 18h00 de 10/​04 e tra­tada no Pú­blico de dia 11, com o tí­tulo «BE pede apoios de 15 mi­lhões de euros para a co­mu­ni­cação so­cial».

Os tra­ba­lha­dores pagam a crise e a con­cen­tração na co­mu­ni­cação so­cial

O anúncio de in­ten­ções do BE segue-se a um pro­cesso em que seis grupos eco­nó­mico-me­diá­ticos – Im­presa, Media Ca­pital, Co­fina, Global Media, Re­nas­cença e Pú­blico – juntos na Pla­forma de Media Pri­vados, mais o Sin­di­cato dos Jor­na­listas, re­pi­saram a mesma tecla da «crise de re­ceitas» «pre­vista» e das «me­didas de res­gate», pro­postas em carta as­si­nada por F. P. Bal­semão, com im­pacto no PR e no Go­verno PS, que em 01/​04 ad­mitiu a ur­gência da res­posta.

As in­ten­ções do BE, que até hoje não pro­du­ziram qual­quer pro­posta le­gis­la­tiva(!), li­mitam-se de facto a um «apoio de emer­gência à co­mu­ni­cação so­cial», de Maio a Julho, de 15 mi­lhões de euros – o mesmo mon­tante(!) que veio a ser anun­ciado pelo Go­verno para pu­bli­ci­dade ins­ti­tu­ci­onal uma se­mana de­pois. Tretas e pro­messas adi­adas à parte, o que propõe o BE são «apenas» 6,45 mi­lhões para te­le­vi­sões, ou­tros 6,45 para jor­nais na­ci­o­nais e mais 2,1 para rá­dios na­ci­o­nais e lo­cais «com corpo re­dac­to­rial», ou seja, tudo numa ban­deja para os grupos pri­vados, com o as­su­mido «ob­jec­tivo de in­te­resse pú­blico: ma­nu­tenção da ca­pa­ci­dade jor­na­lís­tica dos meios de co­mu­ni­cação so­cial e da plu­ra­li­dade na pro­dução de in­for­mação en­quanto bem comum».

Ou seja, o que o BE pensa da ma­téria é que os grupos são pa­ra­digma de «ca­pa­ci­dade jor­na­lís­tica», «plu­ra­li­dade» e «bem comum», nem grande ca­pital, nem ex­plo­ração, nem ali­e­nação, nem jor­na­listas sem di­reitos, nem «pulsão po­pu­lista». Será que o BE está a pagar fa­vores aos grupos eco­nó­mico-me­diá­ticos? E será por «bem comum» que o Cor­reio da Manhã de 17/​04 diz que a pro­posta do BE «é mais ra­zoável» que a do Go­verno PS?

Quanto às «grandes di­fi­cul­dades» destes grupos, o ponto de par­tida é o vo­lume de ne­gó­cios de 500 mi­lhões de euros em 2018. E que, em 2019, a Im­presa (SIC-Ex­presso) cresceu de 172 para 182 mi­lhões em ne­gó­cios e 150% em lu­cros para 7,84 mi­lhões, a SIC li­dera nas te­le­vi­sões e o Ex­presso nos jor­nais em banca e di­gital; que a Co­fina (C. Manhã-CMTV) desceu nos ne­gó­cios de 89 para 88 mi­lhões e cresceu em lu­cros para 7,15 mi­lhões, a CMTV do­mina no cabo e o CM e o Re­cord são os mais ven­didos em banca; que a Media Ca­pital (TVI-Plural) con­ta­bi­lizou 57,4 mi­lhões de im­pa­ri­dades e re­grediu, mas o vo­lume de ne­gó­cios ficou nos 165 mi­lhões, a quebra vem do fra­casso do ne­gócio com a Co­fina, mas como não há crise no grande ca­pital ou na sua co­mu­ni­cação so­cial, chegou um novo grande ne­gócio para a compra de 30,2% da dona da TVI.

Cada um sabe de si

A si­tu­ação nos grupos eco­nó­mico-me­diá­ticos é pre­o­cu­pante. Não para o grande ca­pital, mas para os jor­na­listas e tra­ba­lha­dores des­pe­didos, em lay off e com di­reitos cor­tados, que pagam a crise e a con­cen­tração e cen­tra­li­zação ca­pi­ta­listas que se per­filam à pala. E para as ví­timas de de­sin­for­mação e ma­ni­pu­lação.

O PCP apre­sentou em 24/​04 um Pro­jecto Lei com me­didas ex­cep­ci­o­nais de apoio ao sector da co­mu­ni­cação so­cial, não para os grupos eco­nó­micos, mas para as rá­dios lo­cais e a im­prensa local e re­gi­onal, essas sim à beira do de­sastre, para a Lusa e a RTP, ví­timas do de­sin­ves­ti­mento do Es­tado, que agrava todas as di­fi­cul­dades, e para a sal­va­guarda dos di­reitos de todos os tra­ba­lha­dores da co­mu­ni­cação so­cial, que não podem ser carne para ca­nhão dos grupos eco­nó­micos.

Bem di­fe­rente de ou­tros, este é o nosso ca­minho, do lado da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, que im­pede a con­cen­tração da pro­pri­e­dade dos ór­gãos de co­mu­ni­cação so­cial. Cada um sabe de si!




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