No combate ao vírus nem um direito a menos
DETERMINAÇÃO O PCP promoveu no sábado, por videoconferência, a sessão Combater o vírus, defender os trabalhadores, onde à denúncia dos abusos que, a pretexto do surto de COVID-19, estão a ser cometidos contra os direitos e rendimentos de quem trabalha, somou a apresentação de propostas para lhes pôr fim.
Não se combate o vírus retirando direitos aos trabalhadores
Nas últimas semanas, o PCP tem apresentado um conjunto de propostas para fazer face à multiplicidade de questões directa ou indirectamente relacionadas com o surto de COVID-19. Como é evidente, assumem particular urgência as que se relacionam com o reforço e valorização do Serviço Nacional de Saúde, mas não foram esquecidas áreas decisivas como o apoio aos sectores produtivos e às micro, pequenas e médias empresas (a braços com uma crise profunda e sem prazo definido para terminar), o alargamento da protecção social ou a solução para o que resta do ano lectivo.
Mas há outra realidade, seguramente menos divulgada pela generalidade da comunicação social, que é a dos ataques aos direitos dos trabalhadores que a pretexto do vírus estão a ser perpetrados em várias empresas e sectores: o PCP tem sido incansável na denúncia destas situações, tanto a nível institucional como da propaganda. Os relatos de cada um destes casos chegam-lhe através das suas células de empresa, dos seus militantes que intervêm no movimento sindical unitário e do endereço de correio electrónico criado especificamente para o efeito, [email protected].
Despedimentos, recurso abusivo ao lay-off, alterações unilaterais de horário, pressões para modificar contratos e imposição de férias e licenças forçadas são alguns dos expedientes a que sectores do patronato têm recorrido para que sejam os trabalhadores e a Segurança Social a assumir todas as perdas por esta situação extraordinária. Muitas vezes, o vírus não passa de um pretexto para concretizar objectivos que há muito perseguiam, mas que a resistência e luta dos trabalhadores travava.
Na abertura do debate do passado sábado, Jaime Toga, da Comissão Política, realçou que o combate ao vírus «não põe em suspenso os direitos dos trabalhadores», que se mantêm válidos e, como tal, têm de ser defendidos. Hoje como sempre, a organização e combatividade dos trabalhadores são os instrumentos privilegiados para o fazer.
A sessão centrou-se na realidade do distrito do Porto, mas as situações de exploração e abuso ali relatadas são similares a muitas outras, ocorridas um pouco por todo o País.
O próprio Jaime Toga adiantou, na introdução ao debate, alguns exemplos ocorridos na região, muitos dos quais em grandes empresas que, durante anos, acumularam elevados lucros.
Em dezenas de estabelecimentos comerciais do aeroporto, como em várias fábricas de têxtil e calçado, centenas de trabalhadores foram forçados a tirar férias neste período. Com salário reduzido pela situação de lay-off em que se encontram estão 800 trabalhadores da Caetano Bus e outros tantos da Ficocables, assim como 300 da Inapal Metal e todos os da delegação do Porto do jornal A Bola. Várias empresas estão a despedir ou a rescindir contratos, o que já afectou, entre outros, 500 trabalhadores na Preh e 150 na Sonafi.
Fábricas
de exploração
Um dos participantes na sessão foi Filipe Pereira, trabalhador da Inapal Plásticos e dirigente do SITE Norte, que traçou um panorama da situação que os trabalhadores enfrentam naquela empresa de componentes para o sector automóvel sediada em Matosinhos. Ali, depois de ter forçado os trabalhadores a gozar dias de férias e de descanso compensatório, a administração recorreu ao lay-off: a fábrica mantém-se em laboração parcial e os trabalhadores ficam com apenas dois terços do salário (parte dos quais pagos pela Segurança Social), o que para a maioria representa uma remuneração a rondar o salário mínimo.
Além disso, relata Filipe Pereira, o surto epidémico veio interromper o processo negocial, temendo o sindicalista que aquando do seu reinício os trabalhadores estejam mais fragilizados. Assim, garante, será necessária muita organização e luta para dar a devida resposta a esta ofensiva patronal, para que «saiamos disto o melhor possível».
Na fábrica de componentes industriais Fico Cables, na Maia, «somos meros números», queixou-se Andreia Neves, despedida recentemente, a meio do seu contrato. Com duas filhas a cargo, a operária denuncia a permanente instabilidade vivida pelos trabalhadores temporários: «saltitamos de trabalho em períodos curtos e nunca cumprimos o tempo suficiente para o subsídio de desemprego».
Pagam
os de sempre
Do sector do turismo falou Nicole Santos, realçando que os consecutivos recordes de facturação se fizeram acompanhar de salários baixos, precariedade, exploração do trabalho imigrante e estágios não remunerados. Com o turismo praticamente parado, é sobre os trabalhadores que recaem as mais graves consequências da situação actual, tendo muitos sido obrigados a marcar férias e outros encontram-se em situação de lay-off.
Algumas destas empresas, acusa, são as maiores do sector, como a Sogrape, Real Companhia Velha, Ibersol, Agência Abreu, Douro Azul e grandes grupos hoteleiros.
No caso específico da Ibersol, contou Diogo Pinheiro, é forte a pressão sobre os trabalhadores, grande parte dos quais jovens e estudantes, para que antecipem férias e reduzam as horas contratadas. Antes do fecho das lojas, eram pressionados a trabalhar sem que lhes fossem garantidas quaisquer condições de segurança. A Ibersol é a maior empresa de restauração do país, com lucros de 11 milhões.
Cláudia Moreira, delegada sindical no Gaia Shopping, denuncia também o «medo e insegurança» que tomou conta daqueles trabalhadores, que laboram sem condições de higiene, saúde e segurança. Alguns foram até alvo de insultos e tentativas de agressão por parte de clientes, sem que a administração da Sonae ou as autoridades ajam. Naquele local de trabalho já há vários trabalhadores infectados com COVID-19 e alguns em quarentena.
Sobre o prémio «oferecido» pela Sonae a alguns trabalhadores, a sindicalista lembra os salários «baixíssimos» que se mantêm e garante que «a minha saúde não está à venda».
Soluções para responder
à ofensiva patronal
No final da sessão, a deputada Diana Ferreira enunciou um conjunto de propostas apresentadas pelo PCP nas últimas semanas para responder à situação extraordinária que o País enfrenta, centrando-se fundamentalmente nas que se relacionavam com o tema em debate – a defesa dos direitos dos trabalhadores.
Estas propostas não invalidam outras, muitas vezes mais amplas, que o Partido mantém e reafirma, antes visam fazer face a problemas concretos criados pelo combate ao vírus e pelo aproveitamento que sectores do patronato dele fazem para aumentarem a exploração e os lucros.
Assim, salientou a deputada eleita pelo círculo eleitoral do Porto, pela intervenção do PCP foi possível, desde já:
- impedir os cortes de água, electricidade, gás ou comunicações durante o período do estado de emergência e no mês seguinte;
- considerar os trabalhadores de lares de idos e outros equipamentos sociais de apoio a idosos como trabalhadores essenciais;
- garantir protecção da habitação (não de forma tão ampla quanto o PCP defendia).
Diana Ferreira referiu-se ainda a propostas apresentadas pelo PCP no âmbito laboral que, muito embora tenham sido rejeitadas na Assembleia da República, continuam a constituir importantes bandeiras de luta. Visavam designadamente:
- a nulidade dos despedimentos, da imposição de gozo de férias e de licenças sem vencimento, de cortes na retribuição e noutras prestações pecuniárias;
- a garantia da totalidade dos salários e rendimentos, incluindo subsídio de refeição, mesmo em situações de teletrabalho;
- a obrigatoriedade que, no caso do teletrabalho, os instrumentos sejam fornecidos pela entidade patronal e que o teletrabalho não se confunda com o acompanhamento aos filhos;
- a extensão da protecção social a pais de crianças até 16 anos, com pagamento de 100% da remuneração de referência;
- o pagamento de subsídios de doença, de assistência a filho e netos a 100% da remuneração;
- a prorrogação e renovação automáticas das prestações sociais por desemprego, cessação de actividade e outras;
- a atribuição de suplemento remuneratório aos trabalhadores que assegurem serviços definidos como essenciais;
- a protecção dos trabalhadores independentes, designadamente: subsídios de doença, de assistência a filho (até 16 anos) e a neto pagos a 100% da remuneração; apoio extraordinário à redução da actividade, incluindo as situações de quebra de 40% dos serviços prestados; proteger os trabalhadores em estágios profissionais; pagamento de subsídios de doença e assistência a filho (até 16 anos).
Para a deputada comunista, o tempo em que vivemos é de «resistir à ofensiva contra os direitos laborais, que aproveita e instrumentaliza a crise sanitária que enfrentamos para aniquilar postos de trabalho, direitos e rendimentos; o momento é de travar esses ataques, de não permitir nem um único recuo; nem um direito a menos».
Os trabalhadores, como em qualquer outra situação, assumem nesta batalha um «papel insubstituível», com a sua luta organizada. Ao seu lado, garantiu, terão sempre o PCP.
Alargar a todos
a protecção social
Os advogados e solicitadores, grande parte dos quais sem qualquer actividade, encontram-se excluídos das medidas de protecção social que, mesmo de forma insuficiente, abrangem outros trabalhadores independentes. Como contou João Ferreira, advogado do Porto, estes profissionais têm uma caixa de previdência própria, a CPAS, para a qual têm de continuar a descontar, tenham ou não rendimento, devido à intransigência da direcção da instituição e ao silêncio da Ordem.
O PCP propôs a suspensão dos descontos durante a vigência do estado de emergência e a extensão aos advogados das medidas de protecção social garantidas aos restantes trabalhadores, mas PS e PSD inviabilizaram essas propostas.
Já Bruno Madeira partilhou a sua experiência enquanto investigador recentemente doutorado e, como a maioria dos seus pares, trabalha por bolsas ou contratos de curta duração. Como ele, muitos outros encontram-se entre projectos ou bolsas, portanto sem qualquer rendimento ou protecção social. Aliás, não é certo que todos os projectos sejam efectivamente retomados depois de superada a actual situação.
Considerando urgente que os cientistas e investigadores sejam apoiados pelo Estado durante este período, Bruno Madeira acrescenta a necessidade de repensar «todo o sistema científico e tecnológico nacional», em grande medida sustentado em trabalho precário.
Resistir, organizar e lutar
contra a lei da selva
Oriundos de diferentes empresas e sectores profissionais, todos os participantes na sessão promovida pelo PCP no passado dia 11 concordaram na necessidade de opor a esta autêntica «lei da selva» que prolifera nos locais de trabalho a organização, resistência e luta dos trabalhadores. A participação nos sindicatos e associações é determinante para este objectivo, sublinharam, tenham os trabalhadores a idade ou o vínculo que tiverem.
Alguns manifestaram preocupações adicionais com o facto de a proclamação do estado de emergência – desnecessário para conter a propagação do vírus, garantem – prever a suspensão dos direitos à greve e à manifestação e o afastamento dos sindicatos da negociação.
Tanto Jaime Toga como Diana Ferreira garantiram todo o apoio do PCP às aspirações e luta dos trabalhadores, mas reafirmaram que a construção do seu futuro está, como sempre esteve, nas suas próprias mãos.