Enquanto isso chegam os aviões…

Ângelo Alves

As medidas da UE apontarão para o endividamento dos Estados

A discussão sobre as medidas da União Europeia no quadro da crise da COVID-19, que já se prolonga há um mês, com a realização de três reuniões do Conselho Europeu sem resultados; a multiplicação de casos de autêntica guerra e pirataria comercial entre diversos governos de Estados europeus; o evidente nervosismo e a proliferação de profecias sobre se «a União Europeia sobrevive ou não a esta crise» demonstram bem o que de facto é, e a quem serve, esta estrutura.

Esta semana, os olhos estão postos na videoconferência do Eurogrupo de terça-feira. Ao momento que escrevemos ainda não sabemos das suas conclusões, apenas conhecemos o que é ventilado como «soluções» e, claro, toda a propaganda institucional que tenta contrariar o escândalo da gritante falta de solidariedade da União Europeia e dos seus principais centros de poder e potências.

Com o risco de escrever antes dos acontecimentos, atrevemo-nos a algumas antevisões:

A primeira é que tudo indica que desta vez haverá conclusões. E que a seguir à reunião e a uma outra possível do Conselho Europeu iremos ser bombardeados com a ideia que a União Europeia finalmente se moveu e que está a abrir os cordões à bolsa. Nada mais falso. O elefante na sala do Orçamento da União Europeia irá continuar a passear-se por entre as declarações e reuniões, e a verdade é que continuaremos a lidar com engenharias ilusórias em torno do que não se vai passar.

A segunda antevisão é que, de acordo com o que conhecemos ao momento da redacção destas linhas, os três principais «instrumentos» que vão ser aprovados baseiam-se todas no endividamento dos Estados: a) o programa sure apresentado como de «apoio ao emprego», é um empréstimo aos Estados-membros (que teria de ser devolvido). A ideia surgiu no passado associada à «harmonização» das legislações laborais; b) a «linha de crédito» do Mecanismo Europeu de Estabilidade (uma espécie de FMI da UE) é nossa conhecida, com a má memória dos memorandos da troika, também teríamos de o pagar e bem caro; c) a linha de crédito do Banco Europeu de Investimento às pequenas e médias empresas é também um empréstimo, com a agravante que poderia ser canalizado por via da banca.

Como é fácil de ver trata-se de aumentar dívida à dívida, amarras às amarras e condicionamentos aos condicionamentos. Mesmo a própria ideia dos Eurobonds, que em princípio não verá a luz do dia, estaria associada a condicionalismos insuportáveis à luz dos esforços e investimento público que os Estados vão fazer, ou mesmo do papel que o Estado vai ter de assumir no tecido produtivo. O que se retira da estéril discussão na União Europeia e entre os seus defensores é que a verdadeira preocupação destes não é salvar vidas, seja no combate ao vírus seja no plano social, nem as economias dos países como Portugal, mas sim o instrumento de domínio que é a União Europeia.

Enquanto isso… os aviões chegam com material chinês, médicos cubanos ou ajuda russa. E isso diz muito da forma como devemos olhar para o nosso futuro enquanto povo e País.




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