O sistema
Aproveitando dificuldades mais ou menos passageiras de PSD e CDS, beneficiando de ampla promoção mediática e avultados (e nem sempre claros) apoios financeiros, cavalgando ventos favoráveis vindos do exterior e manipulando justas reclamações populares – onde é que já vimos isto? –, dois novos partidos de direita estão, desde Outubro, representados na Assembleia da República. Mera mudança de rostos ou algo mais profundo? O tempo o dirá!
Emproados ou popularuchos, empreendedores ou justiceiros, com gel no cabelo ou envergando o equipamento da bola, por tudo e por nada gritam vergonha! e a cada frase berram contra o sistema. A culpa (de quê?) é dos ciganos, dos imigrantes, dos corruptos, do Estado… É preciso pôr isto na ordem!, repetem.
Mas de que sistema falam? Afinal o que tanto os revolta?
Não é certamente o facto de Portugal perder anualmente quase 800 milhões de euros devido à transferência dos lucros aqui gerados pelos principais grupos económicos para regimes fiscais mais favoráveis, os famosos offshores. Pelo menos é o que se conclui da opção que assumiram quando, no âmbito do Orçamento do Estado, contribuíram para chumbar a proposta do PCP para que lucros realizados em Portugal sejam aqui tributados. Ao que tudo indica, não será isto o tal sistema...
Como não é, seguramente, o BES/Novo Banco – o tal do Ricardo Salgado (o célebre Dono-Disto-Tudo), oferecido depois a um fundo abutre norte-americano –, onde o Estado enterrou já sete mil milhões de euros e que continua, apesar disso, a ser privado. É o que se depreende do seu sentido de voto (contra!) numa outra proposta do PCP, que previa que não fosse entregue nem mais um cêntimo de verbas públicas à banca privada sem que tal implicasse o controlo público da respectiva instituição.
De tantas vergonhas contra as quais se insurgem nenhuma se relacionará com a injustiça fiscal, que tributa de forma especial (de tão leve) os rendimentos de capital e prediais, fazendo com que um accionista de uma grande empresa com lucros de milhões pague taxas efectivas de imposto semelhantes a um trabalhador com salário de 2500 euros. É que se fosse realmente vergonhoso seguramente que teriam votado favoravelmente quando foram chamados a decidir se os contribuintes com rendimentos superiores a 100 mil euros anuais deveriam englobar obrigatoriamente aquele tipo de rendimentos no IRS.
É fácil, em abstracto, gritar contra a corrupção. Outra coisa, bem diferente, é pôr em causa os interesses dos que a criam e dela vivem, sobretudo quando estes são precisamente os que apoiam, financiam e projectam esses novos partidos, como fizeram – e continuam a fazer – com a direita tradicional. Esse é o nosso combate de sempre. Que prossegue!