Milhares nas ruas de Lisboa para exigir respeito e 90 euros
AVISO Os ataques aos trabalhadores da Administração Pública são uma forma de desinvestir nos serviços e provocar o seu desmantelamento, alerta-se na resolução da manifestação nacional de dia 31.
Falta uma proposta do Governo compatível com as reivindicações
O documento foi aclamado pouco depois das 17 horas da passada sexta-feira, no final de uma jornada de luta que foi concretizada com «uma greve que foi uma das maiores de sempre e encerrou uma parte do País, e com milhares, dezenas de milhares de trabalhadores na rua», como afirmara minutos antes a coordenadora da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, Ana Avoila.
A manifestação nacional, que decorreu quase sempre à chuva, começou a sair do Marquês de Pombal cerca das 15 horas. Passados 45 minutos, quando finalmente arrancaram os últimos manifestantes (Administração Local do distrito de Lisboa), a cabeça do desfile estava a meio da descida da Rua de São Bento.
O percurso, com bandeiras e faixas a identificar os grupos, por sectores, regiões, concelhos ou serviços, inclui a Avenida da Liberdade, a Rua Alexandre Herculano e o Largo do Rato. Uma grande parte dos manifestantes segurava tiras azuis, reclamando 90 euros de aumento salarial. Mas estas tiras também eram usadas como se fossem lenços, cachecóis ou mesmo enfeites dos guarda-chuvas.
Carros de som e activistas com megafones lançavam palavras de ordem, sobressaindo, entre outras, «Basta de congelamento, 90 euros de aumento», «Aumento salarial é fundamental», «Carreiras profissionais são fundamentais», «É preciso, é urgente uma política diferente», «Emprego sim, precariedade não», «A luta continua nos serviços e na rua».
Foi precisamente a determinação de prosseguir a luta que Ana Avoila destacou. «Demos hoje este passo gigante, um passo importante para a continuação da nossa luta, se o Governo não ouvir o nosso protesto, a nossa indignação, e não aceitar negociar a nossa proposta», afirmou a dirigente, na breve intervenção que antecedeu a leitura da resolução por Alexandre Plácido, dirigente do Steffas (Sindicato dos Trabalhadores Civis das Forças Armadas, Estabelecimentos Fabris e Empresas de Defesa).
«Desenvolver todas as formas de luta adequadas e necessárias para atingir as justas reivindicações dos trabalhadores e das populações» é a decisão que encerra o texto, depois de «reafirmar a reivindicação de um aumento salarial para todos os trabalhadores, no valor de 90 euros, a partir de 1 de Janeiro de 2020» e «exigir o respeito pelo direito à negociação colectiva e a abertura de um verdadeiro processo negocial com os sindicatos, desenvolvido com seriedade e respeito pela lei e pelas estruturas sindicais».
«Margem»
sem proposta
«Então, valeu ou não valeu a pena lutar?» - interrogou Arménio Carlos, comentando declarações da ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, que horas antes afirmara que existe «margem orçamental» para negociar com os sindicatos. O Secretário-geral da CGTP-IN, ao saudar os manifestantes em nome da delegação da confederação presente no protesto, observou que «a ministra, há duas semanas, quando abriu as negociações numa reunião e as fechou na reunião seguinte, disse que o Governo não podia ir além dos 0,3 por cento», mas «esta manhã, perante uma adesão enormíssima à greve e a perspectiva desta grande manifestação, tivemos a ministra a dizer que agora já está disponível, já tem mais qualquer coisa para dar».
No entanto, como assinalaram os dois oradores na concentração realizada no final da manifestação, na Calçada da Estrela, junto à residência oficial do primeiro-ministro, é necessário que as declarações sejam comprovadas sob a forma de uma proposta.
«Queremos ver essa proposta, queremos saber quanto é que isso dá, o que significa para os trabalhadores», exigiu Arménio Carlos, reafirmando que «não deixaremos de participar em todos os espaços onde se discute os problemas dos trabalhadores, mas não contem connosco para fazer de conta».
Ana Avoila começou por recordar que 90 euros de aumento para todos os trabalhadores a partir de Janeiro de 2020 «é o nosso objectivo», «é esta proposta que nós queremos negociar, foi a que entregámos ao Governo em Setembro». A contraproposta de 0,3 por cento foi «vergonhosa, insultuosa», e «por isso estamos aqui hoje, os trabalhadores da Saúde, da Educação, da Segurança Social, do Ambiente, das Obras Públicas, da Justiça, da Cultura, das autarquias locais, das forças de segurança, os inspectores e todos os outros que não consigo agora referir».
«Tivemos hoje a ministra a fazer uma declaração», «mas como podemos confiar, se a ministra ainda não enviou essa nova proposta, que nós já pedimos?». Ana Avoila adiantou que «vamos esperar», nomeadamente pela reunião que o Governo marcou para dia 10, e sublinhou que «de uma coisa o Governo pode mesmo ter a certeza: nós não abandonamos a luta por um efectivo aumento dos nossos salários e das pensões».
«A partir do dia 10, ou o Governo apresenta uma proposta que seja compatível com as reivindicações dos trabalhadores, ou nós vamos continuar o nosso protesto, na rua, em greves, nas formas que os trabalhadores aprovarem», garantiu a dirigente.
Há dinheiro no OE
O Governo «tem de olhar de outra forma para os trabalhadores que prestam serviços públicos, tem de os valorizar» e «não venham falar do défice para justificar o injustificável, ou seja, o facto de durante dez anos os trabalhadores da Administração Pública não terem tido qualquer actualização salarial», defendeu Arménio Carlos.
Assinalou que na proposta de Orçamento do Estado para 2020 há cerca de 2100 milhões de euros destinados às parcerias público-privadas e ao Novo Banco, enquanto «centenas de milhões de euros» vão pagar ao sector privado a prestação de serviços que deviam ser prestados por trabalhadores da Administração Pública.
Ora, lembrou o Secretário-geral da Intersindical, «se os serviços públicos não colapsaram durante o período da troika, isso deve-se exclusivamente à responsabilidade social dos trabalhadores da Administração Pública». Hoje, «se querem melhores serviços públicos, têm de pagar mais aos técnicos e assistentes operacionais, aos assistentes administrativos, aos assistentes técnicos e a todos aqueles que dão o seu melhor para o futuro do País, é preciso melhorar a situação dos professores, dos médicos, dos enfermeiros, dos funcionários judiciais, dos trabalhadores do poder local».
PCP saudou a luta
Uma delegação do PCP, constituída pelo Secretário-geral, Jerónimo de Sousa, João Dias Coelho (da Comissão Política do CC) e Diana Ferreira (deputada), saudou a passagem da manifestação no topo da Rua Alexandre Herculano. Muitos manifestantes retribuíram a saudação.
Em declarações aos jornalistas, Jerónimo de Sousa reafirmou o apoio à reivindicação sindical de 90 euros de aumento salarial para todos os trabalhadores da Administração Pública, recordando que estes não têm qualquer evolução salarial há dez anos.
«Estamos a falar de trabalhadores que garantem os serviços públicos na Educação, na Saúde, nas forças e serviços de segurança, na Justiça, nas autarquias locais, e que deveriam merecer, por parte do Governo, mais respeito», em vez da «proposta inaceitável que fez à Frente Comum de Sindicatos, de 0,3 por cento», que «demonstra uma falta de respeito pelas justas aspirações e reivindicações destes trabalhadores».
Jerónimo de Sousa frisou que «aqui estamos, para saudar esta luta, esta poderosa manifestação, antecedida por greve em muitos serviços, e as razões fundas que assistem a estes trabalhadores».