Vassalos

Anabela Fino

O assassinato do general iraniano Qassem Soleimani por ordem de Trump veio uma vez mais pôr a nu a hipocrisia que reina na comunicação social dominante e a desonestidade intelectual de governantes e instituições, ONU incluída, que se dizem democráticos. Sempre prontos a intervir em nome da «democracia» ou da variante «direitos humanos», uns e outros metem a viola no saco quando o prevaricador tem assento na Casa Branca.

Pouco importa que Trump aja à revelia dos próprios órgãos de soberania norte-americanos ou viole o direito internacional. Pouco importa que minta, ofenda ou prejudique até os seus putativos aliados. Os sabujos do costume abanam a cauda e assobiam para o lado, e na melhor das hipóteses concedem que «Trump é louco» enquanto vão papagueando que Putin, Xi Jinping ou Maduro são ditadores.

Assim, a notícia de que afinal não havia «provas» de que Qassem Soleimani estaria a planear ataques contra embaixadas norte-americanas, como disse Donald Trump para «justificar» a ordem para matar, passou com a leveza de um vol au vent. Mark Esper,

secretário da Defesa dos EUA, foi taxativo ao afirmá-lo numa entrevista ao canal CBS News, mas não fez qualquer diferença.

Também não suscitou reacção a ameaça de Trump ao Iraque, após o Parlamento iraquiano ter recomendado ao governo a retirada do país das forças militares estrangeiras, incluindo os 5200 militares americanos. «Imporemos sanções como nunca se viu», bradou Trump, que segundo a AFP ameaçou Bagdade de bloquear a conta do Iraque no Federal Reserve em Nova Iorque, onde são depositados todos os recursos provenientes das vendas de petróleo. Esta conta, recorda-se, foi aberta em 2003, após a invasão do Iraque pelos EUA e o derrube de Saddam Hussein a pretexto de armas de destruição massiva que não existiam. Sabendo-se que mais de 90% do orçamento do estado iraquiano dependem daquelas receitas, compreende-se o peso da ameaça... a um país supostamente aliado e independente!

De igual forma passou em claro a declaração de Trump em recente entrevista de que as forças americanas vão ficar no Iraque a defender o seu (dos EUA) petróleo. Assim mesmo, sem subterfúgios.

«Condenação» mesmo só mereceu a resposta iraniana ao assassinato do seu dignitário, como prontamente fez saber o senhor Silva, que também é Santos, que até aí estava apenas no inconsequente estado de «preocupação» com o terrorismo de Trump. Uma postura ministerial que não destoaria num governo do PSD, como se depreende da opinião de Paulo Rangel, para quem é «fundamental» que Portugal preserve a «relação transatlântica», apesar de a política externa de Trump pôr «problemas difíceis e de monta à UE e aos aliados tradicionais dos EUA». Isto tem nome: vassalagem.




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