Defender a ADSE da gula do grupos privados
Em entrevista recente, a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública assumiu, de forma inequívoca, que o Estado devia sair da ADSE e que o futuro da instituição passa pela sua mutualização.
A ADSE é dos seus beneficiários e não dos grupos privados
Nada de novo nestas afirmações. Já no início da anterior legislatura, o Governo do PS avançou com a possibilidade da transformação da ADSE numa Associação Mutualista, o que foi de imediato rejeitado pelos representantes dos trabalhadores da Administração Pública e organizações de pensionistas. Mesmo não sendo esta a solução do agrado do Governo, este lá criou o Instituto de Protecção e Assistência na Doença (ADSE, IP), assumindo-o, porém, como solução transitória.
Desde então, tem-se assistido à concretização de uma estratégia de degradação da imagem da ADSE perante os beneficiários e, simultaneamente, aprofundamento de uma relação pouco clara com os grandes prestadores privados. Por um lado, o Governo impede a contratação dos cerca de 80 trabalhadores em falta no quadro, não permite o alargamento dos beneficiários aos trabalhadores da Administração Pública com contratos individuais de trabalho (fundamental para garantir a sua sustentabilidade) e, através dos seus representantes na direcção, não assume uma relação clara e determinada na defesa dos interesses da ADSE, com os grupos privados.
Cerca de 650 mil documentos de despesa entregues no Regime Livre da ADSE pelos beneficiários (representando dezenas de milhões de euros) estão por pagar, a maioria há meses, devido à falta de trabalhadores para os processarem. Já os grandes prestadores ainda hoje não devolveram os mais de 60 milhões de euros que facturaram a mais e receberam indevidamente, ao longo dos últimos quatro anos.
É neste contexto que a entrevista da ministra cria uma grande instabilidade entre beneficiários e trabalhadores da ADSE, ao mesmo tempo que abre uma discussão que procura favorecer os grupos privados a atingirem o objectivo de controlarem a instituição.
Mas será esta a única consequência deste processo que visa favorecer os grupos de interesses instalados no negócio da saúde? Será apenas coincidência o facto da entrevista surgir numa altura em que o SNS é alvo de uma ofensiva como nunca tínhamos assistido?
Teses e propostas
Há muito que os arautos do primado do privado na saúde vêm desenvolvendo teses como «o País não tem dinheiro para manter um SNS como o que está institucionalizado» ou «os privados fazem melhor e mais barato» – que não só não se confirmam como a vida tem mostrado que os grupos económicos ligados à saúde olham para ela apenas como um grande negócio.
O que está em marcha desde há muito, onde se incluem as alterações defendidas para a ADSE, são peças importantes de um puzzle que, a ser terminado, daria origem à criação de um sistema de saúde em Portugal com duas componentes: um serviço público minimalista para os mais pobres e outro, centrado nos seguros de saúde privados, proposta que o PSD apresentou não há muitos anos.
Vejamos o que tem sido defendido publicamente neste último ano sobre a ADSE. O CDS defende a sua abertura a todos os portugueses, transformando-a num grande seguro de saúde; o PS defende a sua transformação numa Associação Mutualista. Entretanto, o ISCTE apresentou recentemente um estudo em que é sugerida a criação de um seguro nacional de saúde obrigatório, ao mesmo tempo que as seguradoras desenvolvem campanhas sistemáticas de venda de seguros de saúde, de tal forma agressivas, que hoje mais de 2,6 milhões de portugueses já têm seguro individual de saúde.
Não se trata de coincidências. São elementos dispersos que nos conduzem a uma conclusão muito evidente: o capital olha para a saúde não com preocupação relativamente ao bem-estar dos portugueses, mas para os 17 mil milhões de euros que este sector movimenta em Portugal.
Falta dizer que é aos beneficiários da ADSE que cabe a responsabilidade, em última análise, de decidir sobre o futuro da Instituição.