A exploração não tem pátria

João Frazão

Em 2003 foi no­tícia por cá que, no outro lado do oceano, na Ar­gen­tina, uma ca­deia de su­per­mer­cados obri­gava as ope­ra­doras de caixa a usar fralda para não terem de se au­sentar do local de tra­balho, nem para ali­viar as ne­ces­si­dades fun­da­men­tais. Em 2007, nova no­tícia, também na Amé­rica La­tina, desta feita no Chile dava conta de prá­tica se­me­lhante. Nessa al­tura es­cre­vemos nesta co­luna que tal não era uma ca­rac­te­rís­tica es­drú­xula de países do ter­ceiro mundo, uma vez que, “sendo um dos sec­tores mais prós­peros e di­nâ­micos da eco­nomia por­tu­guesa, com novas ca­te­drais do con­sumo a abrir todas as se­manas, não faltam aqui [em Por­tugal] casos de tra­ba­lha­dores que após pe­direm para ser subs­ti­tuídos para ir à casa de banho, têm que es­perar mais de uma hora até que isso acon­teça”.

Vol­vidos estes anos somos obri­gados a voltar ao tema, porque somos as­sal­tados pela no­tícia in­digna de que, em plena ci­dade de Lisboa, numa loja do maior grupo na­ci­onal da dis­tri­buição, uma tra­ba­lha­dora foi for­çada a urinar no posto de tra­balho, exac­ta­mente por não ter au­to­ri­zação para dali se au­sentar.

A de­núncia, na qual quase nem con­se­guimos acre­ditar, foi feita pelo Sin­di­cato do sector, o CESP, poucos dias antes de fazer ou­tras a que o nosso Avante! deu des­taque.

Como a da tra­ba­lha­dora, de um outro grupo da dis­tri­buição, que vive so­zinha com dois fi­lhos e a quem a em­presa não quer ga­rantir um ho­rário com­pa­tível com as suas res­pon­sa­bi­li­dades fa­mi­li­ares.

Uma his­tória que, co­nhe­cida a por­menor, dá bem a di­mensão de um sis­tema as­sente na ex­plo­ração, um sis­tema de­su­mano que não olha a meios para as­se­gurar a acu­mu­lação da ri­queza nas mãos de uns poucos.

Uma his­tória que nos lembra que, tal como esta tra­ba­lha­dora su­bli­nhou numa acção de pro­testo re­a­li­zada à porta da loja onde tra­balha, podem tirar-nos muito, mas não nos ti­rarão a força de lutar pelos nossos di­reitos.




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