Desabafos e contradições

Ângelo Alves

Manuel Car­valho, di­rector do Pú­blico, re­digiu no pas­sado dia 28 de De­zembro um Edi­to­rial com um ti­tulo acu­ti­lante: «O país con­tinua à venda». Afirma MC que «Só este mês a Al­tice desfez-se de me­tade da sua rede de fibra óp­tica, ven­dida à Morgan Stanley In­fra­es­truc­tures Part­ners, o grupo Vasco de Mello e o seu par­ceiro Arcus vão ali­enar 80% dos di­reitos de voto na Brisa, a EDP fe­chou ne­gócio com um con­sórcio de em­presas fran­cesas li­de­rado pela Engie que lhes per­mi­tirá con­trolar seis bar­ra­gens e, outra vez a Al­tice, trans­feriu para um grupo do Bah­rein 85% da ges­tora dos fundos de pen­sões da TLP, Mar­coni e TDP». O di­ag­nós­tico é cer­teiro e a cha­mada de atenção, tantas vezes feita pelo PCP ao longo dos anos, é im­por­tante.

Con­tudo, o edi­to­rial de MC não só não con­segue ir muito além do de­sa­bafo, como está fe­rido de con­tra­dição. Con­tra­ri­a­mente ao que afirma, não é a falta de «am­bição do ca­pi­ta­lismo por­tu­guês» que está na origem deste pro­cesso. É exac­ta­mente o con­trário. A origem da ali­e­nação para o es­tran­geiro de ac­tivos e sec­tores es­tra­té­gicos na­ci­o­nais está na «am­bição ca­pi­ta­lista» que ditou e dita o pro­cesso de pri­va­ti­za­ções e na cada vez maior in­ter­li­gação entre o grande ca­pital na­ci­onal e trans­na­ci­onal, por via, no­me­a­da­mente, do pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ropeu.

Para ser co­e­rente com a sua justa pre­o­cu­pação, MC ne­ces­si­taria de apagar do texto os pensos rá­pidos que propõe para travar a «venda» do «País», como a cu­riosa pro­posta de con­vidar para viver em Por­tugal os ges­tores dos grupos mul­ti­na­ci­o­nais que nos ficam com o País, e dizer duas coisas sim­ples: 1 – O PCP acertou ao ligar os con­ceitos pa­trió­tico e es­querda na sua pro­posta po­lí­tica. 2 – A forma de re­cu­perar para o País tais ac­tivos e sec­tores não é en­tregá-los a quem mais cedo ou mais tarde os acaba por vender a quem der mais, mas sim ao Es­tado, re­cu­pe­rando o seu con­trolo pú­blico, que é de todos e ver­da­dei­ra­mente na­ci­onal.




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