Augusto e seus senhores
Augusto Santos Silva é ministro e alto dirigente do PS. É frequentemente ele a assumir os mais duros debates em nome do Governo, pois fala grosso e – como diz – adora malhar na direita, não se coibindo de fazer o mesmo aos que se encontram à sua esquerda.
Há um ano, foi ele quem deu voz à decisão do governo português de reconhecer como «presidente legítimo» da República Bolivariana da Venezuela o peão da administração norte-americana, Juan Guaidó, que ninguém elegeu e que era quase tão desconhecido no seu país como no resto do mundo. Fê-lo, garantiu, em nome da reposição da normalidade no país.
Ora, a história que se seguiu é conhecida: a aposta Guaidó falhou e as forças bolivarianas continuam à frente dos destinos do país sul-americano, ao qual foi imposto pelos EUA um tão brutal quanto ilegal bloqueio financeiro e comercial. A normalidadeentretanto alcançada é esta: a exportação do principal recurso natural do país, o petróleo, está extremamente dificultada e a importação de alimentos e medicamentos é hoje muito mais dispendiosa; os fundos destinados ao pagamento de operações cirúrgicas e avançados tratamentos médicos no estrangeiro são frequentemente congelados. Sobre isto, Augusto nada disse.
No final do ano passado, Lisboa acolheu um encontro entre o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e o primeiro-ministro em gestão de Israel, o criminoso Benjamin Netanyahu. Na agenda estiveram o prosseguimento e intensificação da ocupação da Palestina e a ofensiva contra o Irão. Na conferência de imprensa, Augusto Santos Silva surgiu sorridente ao lado de Pompeo, e voltou a falar, mas fininho, garantindo que as relações com o seu congénere norte-americano eras as melhores, desde logo porque as eventuais divergências eram mantidas fora das conversações.
Há dias, os EUA assassinaram o general iraniano Qassem Suleimani e vários dirigentes políticos iraquianos e libaneses, um crime injustificável, violador de toda e qualquer regra de Direito Internacional e, ainda por cima, com um tremendo potencial explosivo. Que disse Augusto Santos Silva? Limitou-se, via Twitter, a apelar à «contenção» – das vítimas, presume-se – a fim de evitar o «agravamento da situação». Nem uma palavra de condenação, nem a mais leve crítica, nada! Santos Silva e o Governo que integra sabem bem a quem obedecem e esta é mesmo, em política externa, a sua coerência.
É também por esta razão que o PCP confere tanta centralidade à dimensão patriótica da sua proposta política. Para que sejam os interesses do povo português – a paz, a segurança, o direito ao desenvolvimento soberano – a prevalecer e não as desmedidas ambições do imperialismo, que colocam o mundo à beira da catástrofe.