Augusto e seus senhores

Gustavo Carneiro

Augusto Santos Silva é ministro e alto dirigente do PS. É frequentemente ele a assumir os mais duros debates em nome do Governo, pois fala grosso e – como diz – adora malhar na direita, não se coibindo de fazer o mesmo aos que se encontram à sua esquerda.

Há um ano, foi ele quem deu voz à decisão do governo português de reconhecer como «presidente legítimo» da República Bolivariana da Venezuela o peão da administração norte-americana, Juan Guaidó, que ninguém elegeu e que era quase tão desconhecido no seu país como no resto do mundo. Fê-lo, garantiu, em nome da reposição da normalidade no país.

Ora, a história que se seguiu é conhecida: a aposta Guaidó falhou e as forças bolivarianas continuam à frente dos destinos do país sul-americano, ao qual foi imposto pelos EUA um tão brutal quanto ilegal bloqueio financeiro e comercial. A normalidadeentretanto alcançada é esta: a exportação do principal recurso natural do país, o petróleo, está extremamente dificultada e a importação de alimentos e medicamentos é hoje muito mais dispendiosa; os fundos destinados ao pagamento de operações cirúrgicas e avançados tratamentos médicos no estrangeiro são frequentemente congelados. Sobre isto, Augusto nada disse.

No final do ano passado, Lisboa acolheu um encontro entre o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e o primeiro-ministro em gestão de Israel, o criminoso Benjamin Netanyahu. Na agenda estiveram o prosseguimento e intensificação da ocupação da Palestina e a ofensiva contra o Irão. Na conferência de imprensa, Augusto Santos Silva surgiu sorridente ao lado de Pompeo, e voltou a falar, mas fininho, garantindo que as relações com o seu congénere norte-americano eras as melhores, desde logo porque as eventuais divergências eram mantidas fora das conversações.

Há dias, os EUA assassinaram o general iraniano Qassem Suleimani e vários dirigentes políticos iraquianos e libaneses, um crime injustificável, violador de toda e qualquer regra de Direito Internacional e, ainda por cima, com um tremendo potencial explosivo. Que disse Augusto Santos Silva? Limitou-se, via Twitter, a apelar à «contenção» – das vítimas, presume-se – a fim de evitar o «agravamento da situação». Nem uma palavra de condenação, nem a mais leve crítica, nada! Santos Silva e o Governo que integra sabem bem a quem obedecem e esta é mesmo, em política externa, a sua coerência.

É também por esta razão que o PCP confere tanta centralidade à dimensão patriótica da sua proposta política. Para que sejam os interesses do povo português – a paz, a segurança, o direito ao desenvolvimento soberano – a prevalecer e não as desmedidas ambições do imperialismo, que colocam o mundo à beira da catástrofe.



Mais artigos de: Opinião

Defender a ADSE da gula do grupos privados

Em entrevista recente, a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública assumiu, de forma inequívoca, que o Estado devia sair da ADSE e que o futuro da instituição passa pela sua mutualização.

Perigosa provocação

Os recentes ataques militares contra forças iraquianas e o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani, cometidos pelos EUA no Iraque, para além de constituírem uma nova e séria afronta à soberania deste país e um acto de terrorismo de Estado, são uma gravíssima provocação, que configura um novo e mais perigoso...

Desabafos e contradições

Manuel Carvalho, director do Público, redigiu no passado dia 28 de Dezembro um Editorial com um titulo acutilante: «O país continua à venda». Afirma MC que «Só este mês a Altice desfez-se de metade da sua rede de fibra óptica, vendida à Morgan Stanley Infraestructures Partners, o grupo Vasco de Mello e o seu parceiro...

A exploração não tem pátria

Em 2003 foi notícia por cá que, no outro lado do oceano, na Argentina, uma cadeia de supermercados obrigava as operadoras de caixa a usar fralda para não terem de se ausentar do local de trabalho, nem para aliviar as necessidades fundamentais. Em 2007, nova notícia, também na América Latina, desta feita no Chile dava...

Como elas se fazem

É uma prática habitual das redacções ter prontos obituários de personalidades que, pela idade ou pela saúde, têm mais probabilidades de morrer. Pode parecer mórbido e agoirento, mas é assim que se garantem biografias razoavelmente profundas poucos minutos depois do anúncio de certas mortes. Vem isto a propósito de uma...