Utentes reclamam a interrupção do actual rumo de destruição do SNS

SAÚDE Entre 2017 e 2018, os gastos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aumentaram 5,4 por cento, mas o Governo diminuiu as transferências do Orçamento do Estado (OE) para o SNS em 0,6 por cento.

A Saúde é um direito, não é um negócio

As contas são do Movimento de Utentes dos Serviços Públicos (MUSP), que acusa o ministro das Finanças, Mário Centeno, de apenas pensar no «défice zero» e, dessa forma, prosseguir a «degradação do SNS» e as «tentativas de privatizar» o SNS, «serviço público essencial à população».

«O SNS tem sido vítima de sucessivas políticas que levaram ao seu subfinanciamento crónico, à grave carência de profissionais e de outros recursos, às reconhecidas dificuldades de organização, direcção e gestão, impulsionando o desenvolvimento de um sector privado de prestação de cuidados de saúde financiado pelo OE», alerta o MUSP em nota de imprensa, onde refere que «o Estado não se pode demitir das suas funções e responsabilidades, continuando a transferir competências e recursos para terceiros, nomeadamente para os grandes grupos privados que operam no sector da saúde».

No documento, os utentes recordam que «cerca de três milhões de euros (incluindo parcerias público-privado [PPP], realização de exames de diagnóstico, cirurgias ou outros acordos) são transferidos anualmente para os privados, representando 40 por cento do orçamento total do SNS».

«O actual Governo do PS não rompeu com os problemas estruturantes do SNS, não acabou com os contratos das PPP e transferiu para as autarquias funções de responsabilidade nos cuidados de saúde primários, que devem ser garantidos pelo Estado, podendo vir a ser agravadas as desigualdades regionais e sociais», adverte o MUSP.

Deterioração da saúde
Segundo a Organização Mundial da Saúde, Portugal é um dos únicos quatro países, entre 33 analisados, que reduziu a despesa pública de saúde entre 2000 e 2017. Os resultados estão à vista: a deterioração de um serviço público de excelência e de referência mundial.

«Falta investimento na modernização de hospitais, na substituição de material médico e de equipamentos, na contratação de profissionais de saúde, na melhoria das condições para prestação de um SNS de qualidade às populações», alertam os utentes, sem esquecer a necessidade de reforçar a «capacidade de gestão nos centros hospitalares» e aumentar o «financiamento a todos os níveis».

Ainda segundo o MUSP, 80 por cento dos médicos hospitalares não estão em dedicação exclusiva, o que, aliado às actuais condições precárias de trabalho no SNS, «constitui-se como uma importante forma de financiamento dos grandes grupos económicos que operam no sector da saúde, pois estes passam a dispor de profissionais muito qualificados a baixo custo (pagam à peça ou à percentagem), descapitalizando o SNS em termos de recursos humanos».

«Só na área de Lisboa, há quatro hospitais, incluindo a Maternidade Alfredo da Costa, sem anestesistas, obstetras ou neonatologistas para o atendimento urgente. E esta falta de condições repete-se em vários hospitais do País», informam os utentes. Outro exemplo da «degradação dos cuidados hospitalares» e a «consequência de opções erradas» é o encerramento das urgências pediátricas do Hospital Garcia de Orta (HGO), desde 18 de Novembro, todos os dias, entre as 21h00 e as 8h00 do dia seguinte.

Encerramento inaceitável da urgência pediátrica do HGO

Segunda-feira, 18 de Novembro, dia a partir do qual as urgências pediátricas do HGO passaram a encerrar, todas as noites da semana, de segunda-feira a domingo, entre as 20h00 e as 8h00, teve lugar uma concentração de utentes à porta da unidade hospitalar, acção que contou com a presença de Paula Santos e Bruno Dias, deputados do PCP na Assembleia da República.

«Urgências do Garcia, abertas noite e dia», «Governo escuta, utentes estão em luta» e «A Saúde é um direito, sem ela nada feito», foram algumas das palavras de ordem clamadas pelos utentes. Em pancartas exigia-se, também, «Nem mais uma hora de urgência encerrada» e «Um SNS público e de qualidade». «Se a Saúde for privada, ficamos privados de Saúde», afirmava-se numa outra faixa.

A Marta Temido, ministra da Saúde, que visitou, no mesmo dia, as unidades de saúde da Amora, no Seixal, e da Rainha Dona Leonor, em Almada, agora com horário alargado até às 24h00, foi entregue a resolução «Dizemos basta de promessas. A Saúde não pode esperar!», aprovada pelos utentes do SNS e profissionais de saúde, participantes na vigília, contra o encerramento das urgências pediátricas. No documento reclama-se a reposição do funcionamento em permanência da urgência pediátrica do HGO; a admissão de médicos, enfermeiros e outros profissionais em falta; o alargamento dos horários de funcionamento dos centros de saúde; a construção dos equipamentos em falta nos concelhos de Almada e Seixal, nomeadamente o Hospital do Seixal.

Sobre a solução avançada pelo Governo, de alargamento do horário dos dois centros de saúde, o presidente da Câmara Municipal do Seixal referiu, entretanto, que «o atendimento nos equipamentos de cuidados de saúde primários não pode substituir um serviço de urgência de especialidade num hospital de referência». «Não pode a ministra da Saúde apresentar esta solução a uma população que há anos que está a ser prejudicada com falta de acessos dignos a cuidados de saúde», afirmou Joaquim Santos.

Recorde-se que em Junho, a autarquia, de maioria CDU, foi informada pela secretária de Estado da Saúde que estariam a ser tomadas medidas urgentes para ultrapassar os constrangimentos existentes, mas passados cinco meses nada foi feito, tendo mesmo a situação se agravado.

«Apesar de toda a disponibilidade e esforço do município para ajudar a ultrapassar os problemas existentes, o acesso à saúde é um direito a que os cidadãos da região de Setúbal têm vindo a ser cada mais condicionados, em particular as populações do Seixal, Almada e Sesimbra. É uma preocupação que temos procurado mitigar com a cedência de terrenos para a construção de novas unidades de saúde, bem como com a assunção de responsabilidades em matérias de arranjos exteriores e infra-estruturas, quer no âmbito do alargamento da rede de cuidados de saúde primários, quer do tão necessário hospital do Seixal, embora sem sucesso», afirmou o autarca.

Solidariedade com a luta
Em comunicado, a Plataforma Lisboa em Defesa do SNS manifestou solidariedade com as famílias da Margem Sul do Tejo e lembra que o encerramento «acentua as já parcas equipas das urgências pediátricas na cidade de Lisboa, em particular dos hospitais D. Estefânia e Santa Maria».

«Esta medida resulta de anos de subfinanciamento crónico na saúde e desvalorização salarial e das carreiras dos profissionais de saúde», sublinha a Plataforma, que exige do Governo o reforço das equipas multidisciplinares de pediatria nos hospitais da região da Grande Lisboa; a valorização das condições de trabalho e das carreiras dos profissionais de saúde; o reforço dos cuidados de saúde primários; a resolução célere para a reabertura em pleno das urgências pediátricas do HGO.

Também a União de Sindicatos de Setúbal (USS) está solidária com os utentes e profissionais de saúde que lutam pelo normal funcionamento da urgência pediátrica do HGO.

«Tal posição de ruptura só acontece porque quer o governo PSD/CDS, quer o do PS, promoveram o desinvestimento no SNS e apostaram nas PPP para garantir serviço público», aponta a USS/CGTP-IN, lamentando o facto desses governos nunca terem olhado «para as reivindicações dos trabalhadores e promoveram o congelamento de salários e deixarem ir degradando as condições de trabalho dos profissionais de saúde».

Sobre o «injustificado» encerramento das urgências pediátricas do HGO, a União de Sindicatos refere que «só acontece devido ao laxismo que deixaram proliferar na contratação de profissionais para este serviço ao mesmo tempo que foram dando condições de mordomia para que os privados pudessem operar no mercado conforme entendessem».

Opinião idêntica tem o Movimento Democrático de Mulheres (MDM), invocando a Declaração dos Direitos da Criança, que este ano comemora o seu 60.º aniversário e afirma o direito da criança a cuidados médicos e a obrigação do Estado contribuir para o seu desenvolvimento saudável. «O não funcionamento normal do serviço de urgência pediátrica compromete o direito das crianças dos concelhos de Almada e Seixal aos cuidados de saúde adequados. Ela traduz o incumprimento do Governo de uma das suas obrigações», acusa o MDM.

Contra pagamento de estacionamento no Hospital do Barreiro

O Centro Hospitalar do Barreiro Montijo vai passar a cobrar o estacionamento a utentes e trabalhadores. A medida é contestada por organizações de trabalhadores e comissões de utentes, que, no dia 13 de Novembro, se concentraram frente ao hospital. As razões prendem-se com o facto de não existir opção de estacionamento nas áreas circundantes. Por outro lado, serão os utentes com mais necessidades de cuidados/tratamentos (ou seja os mais doentes) os que serão afectados de forma mais onerosa.

A estes factos acresce o incumprimento do dever da instituição assegurar condições de trabalho e segurança aos seus trabalhadores, desde logo o livre acesso ao local de trabalho.

Discriminação no Hospital de Braga

O PCP questionou, no dia 7 de Novembro, o Ministério da Saúde sobre o situação dos trabalhadores do Hospital de Braga, que, tal como acordado no Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, EPE, pretendem uma aproximação entre os contratos Individual de Trabalho e de Trabalho em Funções Públicas.

O PCP considera que, finda a gestão privada daquele equipamento do Serviço Nacional de Saúde, responsável directo pela prestação de cuidados a 1,2 milhões de pessoas, «é inaceitável que os trabalhadores por ela responsáveis continuem a ser alvo de descriminação, mantendo-se por inércia do Governo as regras do sector privado».

Neste sentido, o PCP perguntou ao Ministério da Saúde «como avalia a situação dos trabalhadores do Hospital de Braga, entidade pública empresarial desde 1 de Setembro, sujeitos a inaceitáveis desigualdades» e «quando e com efeitos a que data será concretizada a adesão do Hospital de Braga E.P.E. ao Acordo Colectivo de Trabalho publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 23/2018 de 22 de Junho».

Trabalho extraordinário imposto no Centro Hospitalar de Setúbal

No dia 31 de Outubro, um grupo de 12 médicos do Serviço de Cirurgia Geral do Centro Hospitalar de Setúbal (CHS) denunciou a «imposição do cumprimento de horas extraordinárias para além do legalmente exigido» em Serviço de Urgência (SU). Segundo o Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) esta imposição surgiu como tentativa de colmatar falhas na escala do SU, pois, segundo a denúncia, «em alguns dias, a equipa é deficitária, por não cumprir o parecer da Ordem dos Médicos». Ou seja, não são respeitados no CHS os critérios relativos à constituição das equipas de Cirurgia Geral nos Serviços de Urgência Médico-Cirurgias.



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