A sobrevivência

Henrique Custódio

Par­tindo do facto re­ve­lado na se­mana pas­sada – o de que, na ac­tu­a­li­dade, há uma mai­oria de hos­pi­tais pri­vados re­la­ti­va­mente aos pú­blicos (com dois a mais no pri­vado) -, con­fir­mamos a apre­ensão que este es­tado de coisas de­sen­ca­deia.

Quando Ca­vaco Silva usou a sua mai­oria ab­so­luta para, em 1990, impor a Lei de Bases da Saúde, es­can­carou, à sor­relfa (como sempre foi o seu jeito po­lí­tico), as portas ao ne­gócio pri­vado da Saúde no nosso País. E os tu­ba­rões da tra­dição não per­deram tempo nestes quase 30 anos, no­me­a­da­mente os grupos Mello/​Saúde e Es­pí­rito Santo Saúde, a que se jun­taram os grupos Lu­síadas Saúde (per­ten­cente à Amil, a maior em­presa pri­vada bra­si­leira da Saúde) e Trofa Saúde, todos em ex­pansão.

Nestes 30 anos foram cons­truindo um im­pério de uni­dades pri­vadas de Saúde, con­co­mi­tantes com in­ten­sivas e in­ter­mi­ná­veis cam­pa­nhas de «se­guros de Saúde» pro­mo­vidas em bancos, nas se­gu­ra­doras ou nas mais va­ri­adas ins­ta­la­ções co­mer­ciais e uma in­dis­pen­sável de­te­ri­o­ração do SNS, que foi des­vi­ando os do­entes para as uni­dades pri­vadas por ma­ni­festa in­ca­pa­ci­dade dos ser­viços pú­blicos. Assim foram pros­pe­rando, com os in­ves­ti­mentos des­vi­ados do SNS para pagar uma mi­ríade de ser­viços re­qui­si­tados ao «sector pri­vado», ga­nhando len­ta­mente as­cen­dentes sobre o sector pú­blico e às custas deste (re­fe­rimo-nos às custas ma­te­riais).

Neste tra­balho de sapa sobre o SNS par­ti­ci­param ac­ti­va­mente os Go­vernos li­de­rados pelo PS, o PSD e o pen­du­ri­calho CDS, tra­balho de­sen­vol­vido em mais duas con­co­mi­tantes ac­ções: uma, de­pau­pe­rando len­ta­mente o SNS em todos os sec­tores (ma­te­riais, téc­nicos, clí­nicos e de meios hu­manos, na pa­nó­plia de pro­fis­si­o­nais que dão vida ao SNS), outra, des­vi­ando si­len­ci­o­sa­mente verbas co­los­sais em falta no SNS para o sor­ve­douro da rede pri­vada que, en­tre­tanto, foi en­gor­dando como os ursos antes da hi­ber­nação, ao ponto de, neste mo­mento, ter mais hos­pi­tais que o SNS. E o ano pas­sado, só os dois prin­ci­pais grupos de Saúde (Mello e Es­pí­rito Santo) em­po­charam 1.100 mi­lhões de euros, pre­vendo-se que os grupos Lu­síadas e Trofa te­nham tido um «vo­lume de ne­gó­cios» su­pe­rior a 300 mi­lhões de euros...

Foi graças à per­ti­nácia do PCP que o Go­verno PS de An­tónio Costa re­cuou na ten­tação de ne­go­ciar a nova Lei de Bases da Saúde com o PSD, o que tor­naria talvez ir­re­ver­sível a trans­for­mação do SNS num sis­tema de se­guros tipo norte-ame­ri­cano (como a po­lí­tica de su­ces­sivos Go­vernos o es­tava a con­duzir), que é, apenas, o sis­tema de Saúde mais in­justo do mundo.

O SNS é uma das con­quistas da Re­vo­lução de Abril e um dos es­teios da nossa so­ci­e­dade de­mo­crá­tica. Re­forçar a CDU nas pró­ximas elei­ções é a ga­rantia da sua so­bre­vi­vência.

 



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