Farsa mistificatória

Pedro Guerreiro

A arrumação de lugares na UE afirma o poder do eixo franco-alemão

Se as decisões adoptadas pelo Conselho Europeu quanto às nomeações para os diferentes cargos nas instituições da União Europeia já tinham representado a afirmação do “núcleo duro” (seja em termos de representação política, seja nacional, seja, fundamentalmente, dos interesses económicos e financeiros que representam) da integração capitalista europeia, a votação no Parlamento Europeu de Ursula von der Leyen para presidente da Comissão Europeia, realizada esta semana, representou o seu corolário.

Apesar da capacidade demonstrada pela convergência de diversos países – nomeadamente do Leste da Europa, mas não só –, em rejeitar “diktats” e de condicionar (mas não determinar) estas decisões, é a afirmação inequívoca e sem procuração do poder do eixo franco-alemão – com Lagarde, no Banco Central Europeu, e Ursula, na Comissão Europeia –, para além da agora assumida e necessária integração dos denominados liberais na desgastada coligação entre a direita e os chamados socialistas ou social-democratas (de modo a acautelar uma maioria estável no PE), que significativamente marca o início do período que agora se inicia.

Um outro importante aspecto a ter presente é que, para lá dos amuos de distintos preteridos, a baixa votação obtida por Ursula no Parlamento Europeu não deixa de ser expressão das contradições do próprio processo de integração capitalista, que tenderão a exacerbar-se com o aprofundamento da sua crise.

Como usualmente, os arautos da União Europeia usaram rios de tinta para enaltecer os dotes de Ursula, nomeadamente a partir da sua prestação perante o PE, quando esta – zelosa do acordo alcançado – apenas cumpriu o papel que lhe foi atribuído, escamoteando, o mais que pôde, os propósitos que tenciona servir e efectuando um mistificatório exercício que visou facilitar a “justificação” do voto dos denominados liberais e dos chamados socialistas ou social-democratas em si.

No entanto, só se equivocou quem quis. A coberto de falsas preocupações com o ambiente, com os direitos sociais, dos jovens e das mulheres ou com a democracia, foram “naturalmente” omitidas as políticas (os seus responsáveis e os interesses que servem) que estão na origem das crescentes desigualdades e injustiças sociais e reafirmado todo um programa, visando o aprofundamento da UE.

Desde a visão neoliberal do cidadão poluidor-pagador, à prossecução da União Bancária e do Mercado de Capitais; do cumprimento do Pacto de Estabilidade ao Semestre Europeu; das ditas “fronteiras” da UE, à ampliação da decisão por maioria qualificada na chamada “política externa da UE” e à militarização da UE no quadro da NATO e de forma complementar este bloco político-militar; ou o aprofundamento do carácter supranacional de instituições da UE, com o que representa de ataque à soberania nacional – entre outros significativos exemplos –, nada faltou na parafernália de cariz neoliberal, federalista e militarista.

Se a nomeação dos cargos institucionais da União Europeia evidenciou as suas contradições, também expôs a intenção do “núcleo duro” da UE – das grandes potências e do grande capital –, em prosseguir a sua ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e a soberania dos povos.

 



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