Insustentável hegemonia

Luís Carapinha

A alternativa à catástrofe é a emancipação social e o socialismo

Um relatório recente do Instituto de Finanças Internacionais, com sede em Washington, lança o alerta: o volume da dívida mundial alcançou em 2018 um recorde de 243 biliões de dólares, três vezes mais do que o PIB global. A subida do peso da dívida face ao PIB é especialmente relevante nas principais potências capitalistas e agravou-se após a crise capitalista mundial de há uma década, com a injecção de verbas milionárias para limpar o lixo tóxico da banca privada.

Sem surpresa, cabe aos EUA o papel central na engrenagem da financeirização e escalada da dívida. Desde o ano 2000, o seu endividamento triplicou (e quase 30 por cento do emprego na indústria foi eliminado). A componente da dívida pública da maior economia do mundo superou pela 1ª vez os 22 biliões de dólares e continuará a subir nos próximos anos, devendo atingir os 140 por cento do PIB em 2024, numa dinâmica insustentável. Sendo que a subida da fasquia da dívida pública se acelerou em especial com a chegada de Trump à Casa Branca, em resultado, entre outros aspectos, do gigantesco corte fiscal beneficiando, sobretudo, o topo da pirâmide do grande capital e do aumento astronómico do orçamento militar. O forte aumento do endividamento, em especial das empresas, é apontado como um dos factores cimeiros do desencadear da próxima crise financeira internacional que carrega o horizonte. Cujos efeitos, a manter-se a actual dinâmica, poderão ser mais devastadores do que a crise capitalista mundial de 2007/9.

Um despacho da agência noticiosa Ria-Novosti reportando-se a análises da Bloomberg, sublinha que esta produzirá pobreza em massa e conduziriá a uma forte instabilidade geopolítica, agitação e guerras.

É este o ponto [da crise do capitalismo] em que estamos. Estado de coisas inseparável da unipolaridade económica e hegemonia planetária dos EUA e das tentativas furiosas da grande potência imperialista em reverter uma trajectória de estagnação e declínio cada vez mais visível. Do seio do establishment vem o aviso, pela mão do editor da Foreign Affairs, publicada pelo tutelar Conselho de Relações Exteriores: «o ‘poder duro’ dos EUA encontra-se em declínio relativo e o ‘poder suave’ sofreu um enorme golpe’». O tema do número corrente da revista é sintomático, «Buscando uma estratégia».

É esta uma das principais razões da crescente instabilidade e incerteza que marca a situação internacional: o vórtice que ameaça a economia e posição dominante dos EUA, no coração da crise estrutural do capitalismo. É este o pano de fundo da ‘busca estratégica’ do imperialismo e da ofensiva de Trump em todos os quadrantes; do ascenso da reacção e do neofascismo. Quadro em que releva, particularmente, a emergência da China e a fracturante rearrumação de forças mundial, em que o choque tectónico se desenrola no plano visceral da economia. Daí a consideração doutrinária da China, pela classe dominante dos EUA, como a ‘grande ameaça existencial’ e a elevação exponencial das medidas provocatórias visando a sua contenção e desestabilização, apesar da densidade da relação comercial e económica.

Tempo de acirradas contradições, em que a alternativa à catástrofe passa pela luta pela dignificação do trabalho, a emancipação social e o socialismo.

 



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