O Estado e a Emergência
A declaração do Estado de Emergência, no passado dia 15, não foi apenas mais uma manobra demagógica de Trump para blasonar o financiamento do seu muro: é a mais grave violação da constituição dos EUA na história recente e um perigoso precedente do fascismo, tout court, para amanhã.
Enquanto a figura constitucional do Estado de Emergência não é estranha aos EUA (desde 1976 foram declarados 59 Estados de Emergência, dos quais 33 continuam em vigor) esta é a primeira vez que é usada na política interna e com o objectivo declarado de vencer o Congresso. Perante a recusa de ambas as câmaras em aprovar o pacote orçamental para a construção do muro na fronteira com o México, Trump declara a Emergência para usurpar as prerrogativas dos órgãos legislativos.
Fá-lo com uma ousadia tão sincera como provocatória: «não precisava de o ter feito agora, mas fi-lo à mesma», confessou em conferência de imprensa, admitindo que a «emergência» não é real. Mas a suspensão do normal funcionamento dos principais órgãos de soberania da democracia burguesa tem muito pouco a ver com o famigerado muro.
Na terça-feira, como já era esperado, a Câmara dos Representantes, controlada pelo Partido Democrata, chumbou a declaração presidencial de emergência. Está montado o palco para o veto presidencial: Trump invocará nos próximos dias a sua promessa eleitoral de erguer um muro, enfolará o fantasma da imigração ilegal, atacará demagogicamente o «pântano» de Washington e usará o seu poder de veto para calar definitivamente o Congresso.
Os dias contados do fascismo
A mensagem é clara: Trump faz o que quiser, quando quiser, como quiser e é fútil a oposição dos legisladores. Mas o presidente fala sobretudo para as hostes republicanas, onde há uma década fermenta um movimento de massas cada dia mais próximo do fascismo. Na semana passada, Trump dizia em Miami, perante uma multidão de bonés MAGA («Fazer a América Grandiosa Novamente», na sigla inglesa) que «a hora da morte do socialismo chegou a todo o nosso hemisfério», proclamando ainda que «os dias do socialismo e do comunismo estão contados, não só na Venezuela, mas na Nicarágua e também em Cuba».
Durante quase 15 minutos, Trump alertou as hordas republicanas que repetiam «USA! USA! USA!» sobre a natureza, as causas e os malefícios do comunismo. Já esta segunda-feira, o vice-presidente, Mike Pence, insistiu que «na Venezuela e em todo o hemisfério ocidental, o socialismo está a morrer».
A metamorfose do fascismo no casulo republicano acontece num momento em que as contradições do capitalismo criam problemas políticos que a classe dominante já não consegue resolver politicamente. Desde 1986 que não havia tantos estado-unidenses em greve: em 2018 foram 500 mil os trabalhadores americanos que recorreram à paralisação da sua própria força de trabalho como forma de luta de classes e, segundo o Instituto Pew, nunca a popularidade do socialismo foi tão alta entre os jovens do coração do capitalismo global.
É inevitável portanto recordar a sinistra proclamação de Hitler, em 1933, de que o comunismo tinha os dias contados. Mas recordemos também que, na verdade, era o comunismo que tinha contado os dias de Hitler. Oxalá, só nesse aspecto, que a História se repita mesmo.