Pescada do Brasil
Bolsonaro foi eleito Presidente do Brasil. Este facto (hoje), parece, segundo alguma comunicação social, o fenómeno pescada: antes de o ser já o era. Não se pretende aqui analisar as razões de fundo que levaram ao resultado eleitoral do passado domingo, antes deixar pistas de reflexão sobre o papel dos media em Portugal, mas também no Brasil, em todo este processo eleitoral.
Durante as últimas semanas assistimos à notícia do facto consumado, «Bolsonaro já ganhou»: dando por certos resultados de sondagens, e não como certo apenas e só o voto no dia das eleições. Nunca saberemos como esta «onda» influenciou ou não o resultado.
Mas a tónica mais frequente, a somar-se à do resultado já fechado e irreversível, foi que Bolsonaro foi presença hegemónica na maioria das notícias destas eleições. Mesmo quando em tom crítico, as fotografias, as frases, as «ideias» eram as deste candidato. Um bombardeamento diário projectando Bolsonaro na primeira e na segunda volta. Os eixos dominantes de conteúdo (quando os houve) foram invariavelmente em torno das matérias da corrupção e da insegurança – um guião à medida da sua candidatura.
Frequentemente, para se referir à candidatura oposta, a menção era feita em subalternatização: Bolsonaro vs. o «candidato» do PT, «o candidato do corrupto PT», tantas vezes omitindo nomes e quase sempre ignorando a abrangência política e partidária da autêntica frente democrática que se ergueu na candidatura de Fernando Haddad e Manuela D'Ávila.
Sem dúvida, houve muito branqueamento mediático neste acto eleitoral: tábua rasa do golpe que ilegitimamente derrubou a presidente Dilma Rousseff; de que foi nos escombros desse golpe que se construiu a candidatura de Bolsonaro; para os interesses económicos por detrás de tal candidato. Se as notícias se concentravam essencialmente na corrupção e na insegurança, como se explica que, com excepções (veja-se as peças de Alfredo Maia no JN), nada se dissesse sobre os interesses do agronegócio, nomeadamente na Amazónia, do negócio de armas, das perspectivas de privatização (só para dar alguns exemplos), por detrás da candidatura do agora presidente?
Sendo legítimo o sentimento popular de rejeição de fenómenos que há décadas assolam o Brasil, é ou não determinante conhecer quem é apoiado pelo grande capital e o capital transnacional e que são os seus interesses o verdadeiro programa de governo de Bolsonaro? Venha-se depois perorar sobre as redes sociais e as fake news [notícias falsas]...
Cabe também perguntar se cada órgão de comunicação social, particularmente no Brasil, não deveria ter reflectido sobre o tratamento a dar um candidato que se recusou a participar em debates ou a enfrentar o contraditório de jornalistas e candidatos. Assim, Bolsonaro passou apenas e só o que quis da sua «mensagem» durante a campanha. Como se explica que seja possível a um candidato recusar-se a participar num debate entre todos os candidatos a emitir na televisão, como aconteceu na primeira volta, e como recompensa ter direito a uma entrevista a solo num outro canal?
Como pistas finais deixa-se o registo de dois títulos de notícias em Portugal: «Presidente eleito Bolsonaro promete “democracia e liberdade”» e «Bolsonaro quer mudar o destino do Brasil». Que cada um reflicta sobre tamanha pescada.