O voto da Hungria

Ângelo Alves

A resolução sobre a Hungria não pretende combater a extrema-direita

A votação do relatório do Parlamento Europeu (PE) sobre a Hungria constituiu uma vergonhosa manobra de hipocrisia e branqueamento das responsabilidades da União Europeia (UE) nos atropelos à democracia e soberania e no crescimento do racismo, xenofobia e forças de extrema-direita. É sintomático que esta resolução surja na sessão do PE em que, no discurso do «Estado da União», o presidente da Comissão Europeia apresentou o conceito de «soberania europeia» (ou seja, a transferência da soberania dos Estados para o plano supranacional) sublinhando várias prioridades, nomeadamente a militarização da UE; a chamada «política externa», que segundo Juncker tem de funcionar «a uma só voz»; a área institucional, em que advogou o fim da regra da unanimidade em várias áreas suprimindo vozes discordantes; e as migrações, defendendo «o controlo das fronteiras externas» (uma das políticas criticada à Hungria na dita resolução), a imigração selectiva e a agilização do retorno e expulsão de migrantes, entre várias outras pérolas como a chamada prioridade para África, numa renovada deriva colonialista; ou a concepção do Euro como «instrumento da nova soberania europeia».

Não! A resolução sobre a Hungria não pretendeu combater a extrema-direita e as suas políticas, pelo contrário irá alimentar essas derivas pelo que contém de confronto com a soberania dos povos. É o voto do PCP que combate essas políticas na sua essência. Combater a extrema-direita significa, por exemplo: combater o regime fascista da Ucrânia, apoiado e financiado pela UE; combater a política da Europa fortaleza, exigindo o desmantelamento dos campos de retenção de refugiados na Turquia pagos pela UE, a revogação da decisão de financiar mais desses campos no continente africano e o fim da militarização da questão migratória; lutar contra as directivas e legislação comunitárias, apoiadas por Orban e outros que tal, que visam institucionalizar a precariedade, aumentar a exploração, cortar direitos sociais e laborais e privatizar quase todas as esferas da vida social. Combater Orban e outros que tal significa rejeitar ataques à soberania e ao direito ao desenvolvimento, tal como fez o PCP quando foi o único partido português a votar contra o mal dito «empréstimo à Grécia» e como faz ao rejeitar pressões e chantagens da UEM. Fazer este combate significa estar coerentemente contra as agressões imperialistas à Líbia e à Síria (apenas para dar dois exemplos), assentes em mentiras e na propagação de sentimentos xenófobos e racistas.

O objectivo da resolução não foi o combate às políticas fascizantes, anti-sociais e antidemocráticas de Orban, cujo partido é membro do Partido Popular Europeu. Foi, antes, num quadro em que se tenta concentrar ainda mais o poder político nas instituições supranacionais da UE, manipular justos sentimentos de indignação e preocupação com as políticas de Orban para tentar gerir contradições do próprio processo de integração capitalista e garantir apoio popular à ideia de que para lá do «policiamento» das políticas económicas e orçamentais que bem conhecemos, a UE e as suas instituições dominadas pelo directório de potências, devem agora «policiar» e impor o seu próprio conceito de «democracia».

O PCP, com coerência e frontalidade, defenderá sempre a democracia e a liberdade e continuará na primeira linha do combate às políticas, forças e causas da extrema-direita.




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