Agir e intervir sobre o real
Intervindo antes do encerramento, José Barata-Moura fez uma viagem por diversas expressões do «utopismo» – de Thomas More a Charles Fourier, Robert Owen ou Saint-Simon –, desembocando no socialismo científico de Marx e Engels. Ao contrário das primeiras, o socialismo marxista «não é um ideal, nem uma doutrina que no mercado das ideias esteja a concurso com outras concepções e figurinos. Pelo contrário, radica na materialidade de um ser que – histórica e socialmente – ganha corpo nas vicissitudes de um modo determinado (capitalista) de produção do viver».
Marx, prosseguiu José Barata-Moura, deu «um passo decisivo nesta busca de fundamento compreendido para uma transformação trabalhada do mundo». Não inventou o materialismo e a diatéctica, mas descobriu que a «historicidade é constitutiva da materialidade do ser, em cujo devir a socialidade humana se inscreve». Da mesma forma que, acrescentou, não inventou as classes e a sua luta, mas desvendou que elas, longe de serem entidades autónomas e estanques, «se configuram, e re-configuram, historicamente no quadro lábil de formações económicas da sociedade diferentes, onde, em etapas diversas, desempenham, pela sua intervenção objectiva, papeis acentuadamente distintos». Não foi também Marx quem inventou a mais-valia ou o capitalismo, muito embora tenha descoberto o «segredo daquela exploração que, estando na base, norteia o horizonte da produção e da reprodução do viver social sob a égide dominadora do paradigma capitalista».
Engels realçou, e José Barata-Mouta sublinhou, que «para fazer do socialismo uma ciência, ele tinha primeiro que ser colocado num chão real». Objectiva e subjectivamente. Em primeiro lugar, destacou, «pela consolidação objectiva, entretanto verificada, de um solo desenvolvido, susceptível de alicerçar a possibilidade material dos revolucionamentos exigíveis». Mas também pela «capacidade subjectiva de, partindo desse embasamento na contraditoriedade ínsita no devir das realidades, conceber, e praticar – mobilizando as forças pertinentes para o efeito –, as transformações necessárias». Da mesma forma, o «pensar da revolução, para surgir, requer a existência histórica de uma classe revolucionária, assim também o socialismo, enquanto teoria amadurecida e tempestiva, não dispensa um determinado grau de maturação dos tempos, que o habilite a surpreender na estrutura do real, e a aprontar nas dinâmicas de que ele se entretece, as condições do empreendimento reconfigurador».
Citando uma vez mais Engels – para quem o socialismo utópico «criticava decerto o modo capitalista de produção», mas não o podia explicar nem acabar com ele –, José Barata-Moura acrescentou que a condenação moral «não basta para que o deplorado se torne inteligível», da mesma forma que justapor ao existente uma «”alternativa” (imaginada como desfecho)» não conduz a uma sociedade diferente. Uma vez mais, Marx e Engels foram decisivos nesta «busca de fundamento compreendido para uma transformação trabalhada do mundo».
Para o orador, autor de uma vasta obra marxista, a «”transformação” pode ser objecto de sonho», mas não se transforma o mundo «pulando para fora do real». É «na sua realidade, trabalhando-lhe a entranha» que se pode mudar o mundo. É precisamente o que fazem, todos os dias, os comunistas.