Ideologia é expressão da base material da sociedade
FILOSOFIA E CULTURA No domingo de manhã, quatro oradores debruçaram-se sobre questões presentes na luta política actual, como a educação e a cultura, e também sobre questões filosóficas relevantes.
A dimensão ideológica da luta de classes assume um papel importante
Educação e cultura são expressões da ideologia dominante de qualquer sociedade em dada época. Como quaisquer outras, têm uma marca de classe – mais ou menos evidente, mas real. Da primeira falou, na abertura do segundo dia de trabalhos, no domingo de manhã, Alma Rivera, que realçou a inscrição no Manifesto do Partido Comunista da reivindicação «Educação pública e gratuita para todas as crianças». A dirigente da JCP e membro do Comité Central do Partido sublinhou o papel que Marx e Engels atribuíam à educação, vendo nela um «instrumento de libertação dos explorados e atribuíam-lhe grande papel na tomada de consciência, no combate à alienação».
O legado de Marx, prossegue a jovem comunista, «ajuda-nos muito» na análise à educação, permitindo situá-la nas «construções sociais pertencentes à super estrutura, o tal edifício construído na base das relações sociais de produção». Quanto à escola que hoje existe em Portugal, sendo maioritariamente pública, debate-se com um financiamento cada vez mais insuficiente e vê serem dados passos de gigante visando a sua privatização. O sistema binário, os obstáculos à frequência e sucesso escolares, as propinas, o processo de Bolonha e a degradação da democracia nas escolas são ataques à escola pública identificados por Alma Rivera.
Mais adiante, Rui Mota, das Edições Avante!, leu a contribuição do escritor e poeta Manuel Gusmão, que reflectiu sobre cultura «enquanto espaço de luta entre uma ideologia de emancipação e uma ideologia de dominação». Nesta luta, como noutras, o proletariado procura «obter uma democratização da cultura que culminará, em termos de definição de projecto, na palavra de ordem já leninista de revolução cultural». A burguesia, por seu lado – como faz sempre que se defronta com um campo de direitos – «reage sempre tendencialmente no sentido da sua restrição e denegação». Uma das suas orientações políticas fundamentais nesta área é a «mercantilização de todos os intervenientes no que tenderão a chamar “mercado cultural”».
Tal como relativamente à educação, também no que diz respeito à cultura Marx, Engels e Lénine insistiram na sua democratização, potenciando assim a sua «capacidade de transformação do mundo e da vida», desenvolvendo o que nela é «promessa de emancipação social e humana», afirma Manuel Gusmão. Já o destino que lhe dá a ideologia burguesa é, tão só, o de «manter a dominação ideológica de uma classe sobre as outras».
Liberdade, reforma
e revolução
O professor Pedro Santos Maia, intervindo sobre o conceito de «liberdade», referiu-se às obras de Marx e às reflexões do filósofo germano-coreano contemporâneo Byung-Chul Han sobre as «”novas técnicas de poder” do sistema neoliberal dominante». Se o Big Brother digital constitui um exemplo flagrante de um «controle inconscientemente voluntário», o «isolamento a que o regime liberal nos conduz não nos torna realmente livres». Pelo contrário, riposta o próprio Pedro Santos Maia, ele «converte-se precisamente no campo livre para a ocupação e apropriação do capital, no caminho aberto e propício para a ditadura do capital».
Ao tentar isolar os trabalhadores e convencê-los de que deixaram de pertencer a uma classe trabalhadora explorada, o capital procura impedir a criação e desenvolvimento, entre os trabalhadores, de um «nós político com capacidade de ação comum.» Ou seja, com poder de resistência, solidariedade e afirmação da sua liberdade libertadora.
A última contribuição desta área temática ficou a cargo de Paulo Antunes, de Filosofia, que reflectiu sobre questões teóricas relevantes, como as reformas e o reformismo, o marxismo e o revisionismo. Reformismo e revisionismo estão ligados, pois, prosseguiu, a revisão de Marx conduz este último, no essencial, às «”reformas” pretensamente “possibilitadoras” de socialismo sem destruir a base do capitalismo, isto é, sem alterar as relações sociais de produção”». Os marxistas, realçou ainda Paulo Antunes, «não rejeitam as reformas», mas não as vêem como um «fim em si».
Quanto ao revisionismo, o jovem filósofo identificou algumas das suas expressões actuais, não muito diferentes das sublinhadas por Lénine no seu tempo. Vários autores amplamente elogiados por certa «esquerda», como Thomas Piketty ou John Rawls, exprimem na verdade conceitos e ideologias alheias ao marxismo. Com raízes sociais, o revisionismo «anda sempre a reboque do circunstancial».