Afectos de Classe

Ângelo Alves

É conhecida a enorme disponibilidade de Marcelo Rebelo de Sousa para, no exercício das suas funções de Presidente da República, contactar directamente com o povo, como ele próprio afirma, facto que já lhe valeu o «título», que não recusa, de «presidente dos afectos». Marcelo foi, e bem, muito lesto a visitar populações afectadas pelos incêndios e por outras tragédias ou acidentes mais ou menos recentes. Foi também solícito a ser director da revista Cais por um dia ou a embalar géneros no Banco Alimentar. O seu activismo estende-se ao pronunciamento político sobre inúmeras questões, a muitas dezenas de audiências a associações, à participação em vários seminários e conferências – como o recentemente realizado pela «Plataforma para o crescimento sustentável», fundada por Jorge Moreira da Silva – e à representação internacional do Estado português – realizou em menos de dois anos 31 viagens oficiais a 25 países.

É inegável que temos um Presidente da República extremamente activo e disponível. Contudo, esse activismo e disponibilidade parecem desvanecer-se quando o tema é a vida, os direitos e o sustento de centenas de trabalhadores. As trabalhadoras da Gramax (antiga Triumph) estão há meses em luta, estão em risco os seus direitos constitucionalmente garantidos, o seu sustento e o sustento de famílias inteiras. As trabalhadoras em luta pelas suas vidas queriam falar com o Presidente da República e até se deslocaram à sua residência para o efeito. Mas o Presidente não estava lá, delegou nos assessores. Tal como não esteve em nenhuma concentração contra o encerramento dos CTT, em nenhuma acção em defesa dos direitos dos trabalhadores da Altice, ao lado dos trabalhadores da Autoeuropa, ou dos da Cofaco que vai encerrar enviando para o desemprego cerca de 6% da população activa da Ilha do Pico, uma autêntica tragédia social. É que, tal como tudo na vida, até o activismo e os «afectos» têm um conteúdo de classe.




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