China e Rússia, o desafio «revisionista»

Luís Carapinha

O conteúdo na íntegra do documento permanece em segredo

A China e a Rússia constituem o «desafio central» para o Pentágono de acordo com o resumo divulgado da nova Estratégia de Defesa Nacional dos EUA, a primeira actualização desde 2008. A «concorrência estratégica entre estados e não o terrorismo é agora a principal preocupação» e a concorrência «de longo prazo com a China e Rússia» constitui a «principal prioridade», afirma-se. Pequim é acusada de «procurar a médio prazo a hegemonia regional no Indo-Pacífico para atingir a preeminência global no futuro», enquanto Moscovo «persegue o poder de veto sobre as nações da sua periferia», opõe-se à NATO e pretende «alterar a estrutura económica e de segurança» na Europa e Médio Oriente.

O conteúdo na íntegra do documento permanece em segredo, mas os elementos divulgados confirmam não apenas o tradicional cinismo deste tipo de papéis, como a aposta militarista dos EUA, impondo uma nova corrida armamentista mundial, perante aquilo que é reconhecido como a «erosão» da sua supremacia militar absoluta. «Obviamente já não vivemos mais em 1999», reconheceu um dos responsáveis do Pentágono, recordando o ano do ataque da NATO à Jugoslávia (à revelia do CS da ONU e em violação da sua Carta – guerra em que foi intencionalmente bombardeada a embaixada chinesa em Belgrado). Realidade que tem como âmago os dilemas da estagnação estrutural e os incomportáveis desequilíbrios económicos que assolam o motor capitalista mundial.

A designada nova estratégia de Defesa dos EUA, confirmando o teor de outro documento, divulgado em Dezembro – a nova Estratégia de Segurança Nacional – , continua a tratar a China e a Rússia como «potências revisionistas» que ameaçam a «ordem internacional livre e aberta» criada pelos EUA e seus aliados. O absurdo e a desfaçatez delirante, tanto mais quando a administração de Trump faz questão de afirmar uma postura unilateralista e proteccionista que tanta inquietação causa a muitos correligionários, apesar da nova doutrina reafirmar o papel da NATO e do artigo 5, não tornam de modo algum menos perigosos os propósitos belicistas que animam a classe dirigente dos EUA. Trump quer gastar um bilião de dólares na produção de novas armas nucleares, mais pequenas e versáteis. A Revisão da Postura Nuclear, a ser apresentada em breve, pretende diminuir o limiar da utilização de armas nucleares pelos EUA, prevendo o uso de armas nucleares contra países não detentores destas armas e em resposta a ataques não-nucleares. Tudo isto se passa em paralelo com o rombo estratégico para a paz mundial resultante da denúncia unilateral do Tratado ABM assinado com a URSS e a implantação do projecto de escudo global antimíssil dos EUA. Actualização estratégica que confirma ainda o tratamento pelos EUA do espaço cósmico (e do ciberespaço) como teatros de guerra, recusando a assinatura do Tratado com vista a impedir a militarização do cosmos.

Perante a expressão de sobranceria imperialista, o ministério da Defesa da China exortou os EUA a «abandonar a mentalidade da guerra fria». Da Rússia, Lavrov lamentou a insistência dos EUA na linha de «confrontação» e a «russofobia» que bate todos os recordes. Mais explícito, o adido militar da China na Rússia sublinhou a necessidade de os dois países «reagirem em conjunto às ameaças globais e desafios por parte dos EUA e seus aliados».

 



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