A mentira

Henrique Custódio

La calunnia è un venticello, uma famosa ária da ópera Barbeiro de Sevilha, de Rossini, estabeleceu o que, durante séculos, significou a mentira para a generalidade das sociedades: a calúnia que se espalha e aumenta com a velocidade do vento.

Nas «pós-modernidades» actuais as coisas já não têm esta clareza e, multiplicando-se à velocidade de milhões de mensagens por hora nos prodígios da net, a mentira sofreu uma mutação que não diz respeito à sua essência – uma mentira continua a ser a adulteração da verdade –, mas à sua aceitação.

E a aceitação da mentira já produziu teorias tão insanas como a «pós-verdade» ou a «verdade alternativa», que procuram contextualizar as bojardas que se irradia aos milhões pelas redes sociais (p. ex.) como algo de aceitável e, no mínimo, trivial.

Não se chegou a esta assustadora trivialidade de um dia para o outro, levou tempo e teve como agente determinante a presidência dos EUA.

Mas não começou com Trump, foi George W. Bush que usou a presidência – esfera do poder nos EUA com estatuto imperial – para uma inacreditável campanha que justificasse uma agressão militar ao Iraque de Saddam Hussein em 2003, um homem colocado no poder pelos mesmos EUA. A campanha para «provar» que Saddam estava a criar «armas de destruição maciça» chegou ao ridículo de lançar o general Colin Powell pela Europa a mostrar desenhos animados com camiões que seriam as «bases volantes» de «exploração atómica» do Iraque.

Na altura, quem manda na União Europeia fingiu não saber que as reais intenções dos EUA eram impedir o Iraque de acabar com os petrodólares (uma burla imposta à Arábia Saudita em 1971, para, a troco de «protecção», tornar obrigatório o exclusivo uso do dólar para comerciar o petróleo e ancorar assim a moeda norte-americana não no ouro, como até aí, mas no «ouro negro»). Esta monumental mentira veio a público anos depois, Tony Blair, primeiro-ministro britânico aliado de Bush, até pediu desculpas ao povo britânico por ter mentido quanto ao Iraque, mas o mal estava feito e, se não teve consequências para os responsáveis políticos, teve-as para as instituições de poder que representavam, nomeadamente a presidência dos EUA.

A mentira seria utilizada como método de governação na administração Trump e até «teorizada» como se referiu atrás, lançando no descrédito um presidente que não respeita nada e ferindo seriamente a própria instituição da presidência dos EUA, que dificilmente recuperará desta desqualificação.

A mentira faz parte do ADN (como agora se diz) do sistema capitalista, que a disfarça de «razões de Estado», como também por cá a democracia burguesa usa em abundância. «Teorizá-la» e impô-la como trivialidade é um estertor como o do petrodólar, anunciando o fim do capitalismo que se aproxima, inexoravelmente.




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