Um incidente

Henrique Custódio

No debate Santana Lopes versus Rui Rio, travado na RTP, o florete manhoso de Lopes apostou em extirpar o outro e expor-lhe as entranhas de um suposto conluio com o PS de António Costa, e a sobranceria provinciana de Rio empenhou-se em encostar o «menino guerreiro» ao caos do seu consulado.

Falharam ambos.

Lopes, porque desceu à grosseria para amarrar Rio a um suposto conluio com Costa e refocilou nela para além do tolerável. Rio, porque acusou Lopes de caótico, no seu breve papel de primeiro-ministro, e não apresentou qualquer exemplo, quando tinha à disposição um verdadeiro arsenal de demonstrações.

Quando escrevemos, ainda não se realizou o segundo debate televisivo, mas decerto que Lopes não baixará a crista de marialva de fim-de-semana e Rio não ousará desmantelar a fosforescência inconsequente que Lopes, despudoradamente, passeia há décadas pelo País.

Todavia, houve um incidente no primeiro debate de que, curiosamente, quase ninguém deu nota, no frenético comentarismo nacional.

Foi quando Santana Lopes, na sanha de demonstrar que Rui Rio se mancomunava com os «inimigos do partido», decidiu admoestá-lo pela sua presença na Associação 25 de Abril (A25A) e até mostrou uma fotografia onde o acusado Rio lá estava, sorridente, ao lado do coronel Vasco Lourenço.

A resposta do ex-autarca do Porto mostrou que Rio e Santana são, realmente, farinha do mesmo saco: invocando atabalhoadamente o convite que a A25A lhe havia feito, Rui Rio não conseguiu disfarçar um manifesto incómodo pela acusação de Santana que, por seu lado, a reiterou com acinte ao longo do debate, de ironia afivelada no sorriso.

O que este episódio demonstra é que tanto Santana como Rio acham «vergonhoso» dirigentes do PSD visitarem a Associação 25 de Abril, desprezando a história do País no último meio século, desde o derrube pelas armas do regime fascista em 1974, à instauração da democracia burguesa que nos rege e de que usufruem e, para cúmulo, consideram a Associação dos heróis militares que libertaram Portugal do jugo fascista e da guerra colonial como local não frequentável pelos excelsos «democratas» que se julgam ser.

Esquecem que só podem andar por aí a flautear democracias graças, precisamente, aos homens cuja A25A representa, bem como à coragem e ao patriotismo dos capitães de Abril, com que nem sonham, estes grandecíssimos democratas de proveta.

Ambos ensaiando o próximo debate, Rio já disse que «há linhas que não se pode ultrapassar» (foi pena não se lembrar disso quando Lopes o «acusou» de ir à A25A) e Santana já «pediu desculpa» por alguns «erros» cometidos no seu governo.

Do que devia pedir desculpa era do erro trágico que é a sua existência política no País, mas não se pode esperar isso de um flausino encartado.




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