Já não é dia de Natal
Está chegado ao fim o «dia de ser bom». O «dia de passar a mão pelo rosto das crianças, de falar e de ouvir com mavioso tom, de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças».
Não foi seguramente a pensar nas incontáveis manifestações de caridadezinha que Gedeão escreveu as sábias palavras com que inicia o seu poema.
Nem terá sido para descrever o activismo de quem faz modo de vida o estar em tudo, sempre a consolar os «outros – coitadinhos – os que padecem», para lhes dar «coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria», que o autor da Pedra Filosofal nos brindou com tão actuais pensamentos.
Mas lembramo-nos deles quando vemos alguns a pedir para que se responda, nestes dias, aos problemas das pessoas, enquanto reclamam que a política não saia das baias que nos prendem a compromissos internacionais, e que, designadamente, se ponha primeiro que tudo a «correcta trajectória de redução do défice orçamental» ou que não se avance de forma tão célere na reposição de roubos perpetrados pelo governo anterior, porque se há coisa descartável são os direitos dos trabalhadores da administração pública.
Sabemos bem que os afectos não são coisa apenas deste Natal, até porque a corrida de quem os dá, como a vida bem mostra, é de fundo e não se presta a precipitações.
Mas também sabemos que os projectos e objectivos, pessoais e políticos, por trás desta acção, procuram assegurar as condições seja para a tal «sensatez orçamental e liberdade de escolha nas eleições parlamentares que definirão o governo na próxima legislatura», como se pode ler na mensagem presidencial que este ano acompanha a promulgação do Orçamento do Estado, eventualmente a sonhar com blocos centrais de má memória e no retomar conteúdos essenciais da política de direita, seja para manter a margem de manobra para que sua palavra seja ainda e sempre incontestada.
Mesmo que para isso o frenesim leve a que se tente plantar a árvore ainda dentro do vaso que lhe prende as raízes.