Este país não é para bebés

Margarida Botelho

Os dados não estão com­ple­ta­mente fe­chados porque o ano ainda não acabou, mas tudo in­dica que o nú­mero de nas­ci­mentos vai di­mi­nuir em 2017. Esta des­cida in­ter­rom­perá três anos de li­geira re­cu­pe­ração, de­pois da enorme quebra ve­ri­fi­cada entre 2010 e 2013, em que Por­tugal perdeu 18% dos nas­ci­mentos.

A ex­pli­cação que os de­mó­grafos adi­antam para estas os­ci­la­ções é clara: nos anos dos PEC e das troikas, as mu­lheres por­tu­guesas adi­aram a ma­ter­ni­dade, emi­graram, de­sis­tiram da ideia de um se­gundo filho. A li­geira su­bida ve­ri­fi­cada de 2014 a 2016 as­so­ciam-na ao facto de para muitas mu­lheres não ser pos­sível adiar mais uma gra­videz, sob pena de esta se tornar in­viável com o passar dos anos. Esta quase certa nova des­cida em 2017 acaba por sig­ni­ficar apenas uma «es­ta­bi­li­zação» em nú­meros muitos baixos.

Por­tugal tem a se­gunda mais baixa taxa de na­ta­li­dade da União Eu­ro­peia. Os nú­meros de nas­ci­mentos por dis­trito mos­tram que a de­ser­ti­fi­cação tende a agravar-se. Pior: os es­tudos in­dicam que as mu­lheres e os ca­sais gos­ta­riam de ter mais fi­lhos, mas que con­si­deram não ter con­di­ções so­ciais e eco­nó­micas para dar esse passo.

Me­didas como o au­mento dos abonos de fa­mília, a gra­tui­ti­dade dos ma­nuais es­co­lares ou o alar­ga­mento do pré-es­colar têm uma im­por­tância enorme para as fa­mí­lias com cri­anças pe­quenas. O con­tri­buto do PCP para estes avanços é in­ques­ti­o­nável e este é um ca­minho a apro­fundar.

Um filho (ou mais fi­lhos) não deve ser im­posto como pro­jecto de vida a nin­guém. Mas esse pro­jecto também não pode ser rou­bado a mi­lhares de mu­lheres e ho­mens deste país. Pre­ca­ri­e­dade, de­sem­prego, baixos sa­lá­rios, ho­rá­rios de­su­manos, ha­bi­tação cara e in­su­fi­ci­ente, falta de cre­ches, saúde dis­tante, trans­portes caros e raros – tudo se con­juga para com­plicar, adiar, de­sistir do pro­jecto de ter fi­lhos.

Não vale a pena chorar lá­grimas de cro­co­dilo pela falta de bebés em Por­tugal. O que é pre­ciso é res­peitar os di­reitos das novas ge­ra­ções de tra­ba­lha­dores.




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