Imobilidades

Manuel Gouveia

Esta é a se­mana eu­ro­peia da mo­bi­li­dade, do dia sem carro e ou­tras ini­ci­a­tivas si­mi­lares, num fre­nesim anual que per­corre o País e que a cam­panha elei­toral fará crescer. Pas­sado o fre­nesim, tudo fi­cará na mesma, porque a questão de fundo – a ne­ces­si­dade de romper com a po­lí­tica de di­reita nos trans­portes pú­blicos – con­ti­nuará sem ser abor­dada.

E se este ano for di­fe­rente, será para pior. É que o lema da dita se­mana faz apelo à ran­çosa mo­der­ni­dade da «eco­nomia par­ti­lhada». Como sempre, a coisa é bem feita, e até re­sulta atra­ente: desde logo o verbo par­ti­lhar é um verbo sim­pá­tico, um verbo que seria de es­querda se os verbos pu­dessem tomar par­tido.

O Mi­nis­tério do Am­bi­ente ex­plica-nos: «a cam­panha deste ano visa dar es­pe­cial ên­fase à uti­li­zação de bens ao invés da posse dos mesmos. Os pres­ta­dores de ser­viços dis­po­ni­bi­lizam os seus bens, re­cursos ou com­pe­tên­cias, a vá­rios uti­li­za­dores através de uma pla­ta­forma for­ne­cida por in­ter­me­diá­rios.» E ainda con­tinua a pa­recer bo­nito, mas já se di­visa o feio con­teúdo.

É que para esta «mo­der­ni­dade» apa­nhar um trans­porte pú­blico – um au­to­carro, um com­boio, um táxi – não é «par­ti­lhar», não é «uti­lizar um bem em vez de o pos­suir». Não! Mesmo um ser­viço pú­blico de par­tilha de carros, como pos­suía a Carris e foi man­dado en­cerrar, não é «par­ti­lhar». Para o Mi­nis­tério do Am­bi­ente, o que é mo­derno, o que vai re­solver os pro­blemas da mo­bi­li­dade, é re­correr a «pres­ta­dores de ser­viços» e a «in­ter­me­diá­rios» para uti­lizar um trans­porte in­di­vi­dual. O que em si já é er­rado, mas mais er­rado fica quando se sabe que essa «eco­nomia de par­tilha» é, no mundo real do ca­pi­ta­lismo, uma zona franca para todo o tipo de fraudes, para a ex­plo­ração e pre­ca­ri­e­dade mais de­sen­freada, para alargar o do­mínio das mul­ti­na­ci­o­nais a novos sec­tores, como acon­tece com os mo­delos de ne­gócio tipo «uber».

É que a questão de fundo, ao con­trário do que vende o Mi­nis­tério, é mesmo a da posse. Uma posse que deve ser co­lec­tiva e não in­di­vi­dual.




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