Rafael Hidalgo Fernández, membro do Comité Central do Partido Comunista de Cuba

«Não se constrói o socialismo com os instrumentos e valores do capitalismo»

Em que fase se encontra o processo de actualização do modelo de socialismo cubano?

Disseste bem, estamos a actualizar o nosso modelo de socialismo, não o estamos a reformá-lo no sentido em que usam o termo os apologistas das soluções de mercado. Não se constrói o socialismo com os instrumentos e valores do capitalismo.

O “Modelo Económico e Social Cubano de Desenvolvimento Socialista” tem como prioridade imediata a consolidação da propriedade socialista de todo o povo, sem excluir outras formas de propriedade e gestão sempre que estas contribuam para um socialismo próspero e sustentável.

Há um aspecto determinante que é a participação popular em todo o processo de actualização, o qual será necessariamente prolongado. A experiência cubana mostra que o exercício democrático numa autêntica revolução e a construção da unidade popular em torno dos objectivos emancipatórios da mesma, só têm êxito se assentam em sólidos valores morais, patrióticos, solidários e internacionalistas, de justiça social e humanismo integral, de independência e anti-imperialismo radical; no respeito pela verdade, pela critica e a autocrítica; na modéstia, no abandono do corporativismo e no combate ao oportunismo, na preservação da unidade revolucionária acima de qualquer dificuldade ou sucesso conjunturais, e na manutenção da soberania frente ao imperialismo norte-americano, que nos impõe o mais feroz bloqueio da história da humanidade.

A maioria da população cubana nunca viveu sob o capitalismo. Foi-se consolidando uma perspectiva dos direitos como “naturais” em contraponto com um sentido mais laxista quanto aos deveres, assim como elementos perniciosos no funcionamento institucional, na eficiência do Estado, dos actores económicos e de muitos segmentos sociais, organizados ou não.

Um balanço sereno mostra-nos, porém, que temos razões para estar optimistas.

Como é que olham para os retrocessos ocorridos entre as forças progressistas na América Latina?

Preferimos chamar-lhes reveses, tanto mais que, ao contrário do que a direita afirma, não estamos perante um fim de ciclo. Os ciclos não terminam com recuos eleitorais. A política passou a fazer parte do dia-a-dia de milhares de latino-americanos e isso criou raízes para o futuro.

A esquerda latino-americana acumulou força fruto das contradições e do descrédito do modelo neoliberal. Ascende a governos pela via eleitoral mas em condições em que os poderes permanentes continuam na mão das elites tradicionais.

Na maioria dos casos não se conseguiu combinar programas sociais que tiveram um profundo impacto social com processos de reorganização politica. Prossegue um grande debate relacionado com a necessidade de, em ulteriores experiências, combinar as políticas sociais com a consciencialização da população, para que esta não atribua a deus, à fortuna ou ao sucesso pessoal a melhoria das condições de vida; para que as massas identifiquem os porta-vozes e líderes dos processos progressistas e não sejam tão permeáveis à manipulação mediática ou à apropriação pela direita (que de resto refinou os seus métodos de subversão e conta com o poder económico, mediático e judicial) do código e de muitos elementos do discurso da esquerda.

 



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