Truques eléctricos
O programa «Contas do Dia», na Antena1, emitido na passada segunda-feira é um belo exemplo de memória (ou falta dela) selectiva, com vista à manipulação mediática dos posicionamentos e intervenção dos partidos – como sempre, com o PCP como alvo.
Uma comentadora, por sinal também jornalista e até há pouco tempo com responsabilidades de direcção de um dos jornais nacionais com tiragem diária, falou sobre um dos temas do momento: as investigações judiciais sobre suspeitas de corrupção envolvendo as chamadas rendas excessivas na energia, implicando a administração da EDP ao mais alto nível.
Ora, diz a comentadora, se outros estiveram bem a reagir às notícias criticando as tais rendas excessivas e pedindo que sejam atacadas (puseram «o dedo na ferida»), o PCP «está um bocadinho a desconversar», por falar na nacionalização, «que sabe que não vai acontecer». Um ponto prévio sobre o último comentário: a mesma jornalista que diz que «não vai acontecer» já o tinha dito sobre muitas das recentes medidas que, com o contributo do PCP, permitiram recuperar direitos e rendimentos. A História prova que as inevitabilidade têm pés de barro e quem já nelas escorregou tantas vezes devia sabê-lo.
Mas vamos à questão em causa, as rendas excessivas na energia. Não querendo recuar mais longe, podemos lembrar um projecto de resolução apresentado pelo PCP na Assembleia da República, discutido em Março de 2011. Nele afirma-se que, através de mecanismos vários (as tais rendas excessivas), «são-lhes [às principais empresas eléctricas] proporcionados/garantidos preços que asseguram elevados sobre-lucros».
Passado um ano, numa declaração política a propósito da demissão do então secretário de Estado da Energia (que se insurgiu contra a política energética, nomeadamente contras as rendas excessivas), Agostinho Lopes dizia: «Não há novidade nenhuma na descoberta do Sr. Secretário de Estado, apenas a comprovação e consolidação da denúncia que o PCP há muito vem fazendo sobre a inequívoca ligação entre essas “rendas excessivas” e as tarifas excessivas.»
Num outro projecto de resolução, datado de Março de 2014, o PCP propunha que fossem «revistas, completa e urgentemente, as condições e enquadramentos remuneratórios da produção de eletricidade», nomeadamente os chamados CAE e CMEC, hoje em causa na investigação judicial. Mas há mais: no programa eleitoral do PCP às eleições legislativas de 2015 vem, de forma clara, a proposta de eliminar «definitivamente» os CAE e os CMEC.
Sabendo nós que a referida jornalista foi, durante todo este período, directora-adjunta e (a partir de 2013) directora de um jornal especializado, que tratou frequentemente questões relacionadas com o sector energético, só podemos concluir por uma de duas hipóteses: ou a crónica de dia 5 revela um profundo desconhecimento sobre uma área em que trabalhou mais de uma década com responsabilidades de direcção editorial, ou tratou-se de um conveniente caso de amnésia selectiva com o fito de esconder uma intervenção de há anos por parte do PCP, para a qual só agora alguns acordaram.