Comentário

Síndrome de Estocolmo

João Ferreira

Face à na­tu­reza e ao im­pacto de al­guns dos prin­ci­pais fac­tores que cons­trangem o de­sen­vol­vi­mento so­be­rano na­ci­onal – como é o caso da dí­vida e do euro, – o PCP tem vindo a de­fender o de­sen­vol­vi­mento de uma acção do Es­tado por­tu­guês em duas ver­tentes: uma pri­meira, através da ini­ci­a­tiva po­lí­tico-di­plo­má­tica no plano eu­ropeu, pro­cu­rando ar­ti­cular es­forços com países en­fren­tando di­fi­cul­dades se­me­lhantes, de­sig­na­da­mente da pe­ri­feria da UE e da Zona Euro; e uma se­gunda, jus­ti­fi­cada pela ne­ces­si­dade de não deixar o País preso à von­tade e aos in­te­resses de ter­ceiros, que con­siste em, in­de­pen­den­te­mente da­quilo que se lo­grar al­cançar na ver­tente an­te­rior, pre­parar o País para a to­mada das de­ci­sões que se im­põem na de­fesa dos in­te­resses na­ci­o­nais, o que pode passar pela re­moção (di­gamos uni­la­teral) de al­guns cons­tran­gi­mentos, fa­zendo pre­va­lecer os in­te­resses na­ci­o­nais sobre quais­quer im­po­si­ções ou cons­tran­gi­mentos ex­ternos con­trá­rios a esses in­te­resses.

A re­a­fir­mação desta ori­en­tação torna-se par­ti­cu­lar­mente per­ti­nente e ac­tual à luz dos re­sul­tados da mais re­cente ci­meira dos países do Sul da UE, que teve lugar em Lisboa. A apre­ci­ação de ini­ci­a­tivas deste tipo não se faz em abs­tracto, sendo obri­ga­tório que a mesma se sus­tente nos con­teúdos e re­sul­tados prá­ticos da dita ci­meira. Assim sendo, torna-se ine­vi­tável o re­co­nhe­ci­mento de que este «Sul» (no sen­tido amplo do termo) foi vi­si­vel­mente aco­me­tido do cha­mado Sín­drome de Es­to­colmo. Se­ques­trado por po­lí­ticas e ins­tru­mentos que cons­trangem e im­pedem o seu de­sen­vol­vi­mento (muito em­bora – questão es­sen­cial! – sirvam in­te­resses de classe es­pe­cí­ficos nos res­pec­tivos países), o «Sul» mais não tem a dizer e a fazer do que uma pun­gente de­fesa dessas mesmas po­lí­ticas e ins­tru­mentos. E fá-lo em termos que quase as­sumem con­tornos de tra­gi­co­média: que não são per­feitos, as po­lí­ticas e os ins­tru­mentos, bem o sa­bemos, mas que podem sempre ser me­lho­rados. Acima de tudo, im­porta não pôr fim à si­tu­ação de se­questro, sendo que o de­se­jável seria mesmo o seu pro­lon­ga­mento/​apro­fun­da­mento. É assim com a União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária e o euro, com a União Ban­cária, com o Mer­cado Único e não só.

Também nesta linha, o Go­verno por­tu­guês or­ga­nizou dias antes da ci­meira dos países do Sul uma con­fe­rência in­ter­na­ci­onal in­ti­tu­lada «A Euro for Growth and Con­ver­gence. Con­so­lidar o Euro. Pro­mover a Con­ver­gência». Evento que, diga-se em abono da ver­dade, por entre ba­na­li­dades e ilu­sões que se anda a vender desde há pelo menos meia dúzia de anos, per­mitiu des­co­brir coisas ex­tra­or­di­ná­rias. Per­mitiu des­co­brir, por exemplo, que mais de uma dé­cada e meia trans­cor­rida desde o cé­lebre mo­mento em que An­tónio Gu­terres, então pri­meiro-mi­nistro, qual pro­feta, de­cidiu bap­tizar o euro pro­cla­mando: «Euro, tu és o Euro e sobre ti vamos edi­ficar a Eu­ropa»; de­pois de trans­cor­rida uma dé­cada e meia de cres­ci­mento eco­nó­mico acu­mu­lado pra­ti­ca­mente nulo, em que o de­sem­prego es­tru­tural mais do que du­plicou, em que o en­di­vi­da­mento do País ex­plodiu, em que a pro­dução agrí­cola e in­dus­trial re­cu­aram, em que as de­si­gual­dades se tor­naram in­sus­ten­tá­veis na Zona Euro e em que a cha­mada crise da Zona Euro trouxe a dita à imi­nência de im­plosão, de­pois de tudo isto, o ac­tual pri­meiro-mi­nistro con­segue ainda ir buscar ao fundo do baú do «eu­ro­peísmo res­pon­sável» que ali pro­clamou, uma ar­re­ba­tada e ins­pi­rada ti­rada deste ca­libre: «Cons­truir o euro é cons­truir a Eu­ropa e de­fender o euro é de­fender a Eu­ropa». No­tável. Dito de outra forma: es­queça tudo o que se passou neste sé­culo…

Mos­trando que de­so­ri­en­tação e es­cassez de ideias andam de mãos dadas para aqueles lados, o «eu­ro­peísmo res­pon­sável» do pri­meiro-mi­nistro deu ainda para re­pescar e re­quentar ideias tão mo­bi­li­za­doras como uma ca­pa­ci­dade or­ça­mental da Zona Euro que as­se­gure a co­ber­tura de sub­sí­dios de de­sem­prego (dirão os cí­nicos: com essa de­fesa do euro, bem vais pre­cisar…), para além da ideia já antes de­fen­dida por Passos Co­elho de cri­ação de um Fundo Mo­ne­tário Eu­ropeu a partir do Me­ca­nismo Eu­ropeu de Es­ta­bi­li­dade. Se ti­vermos em conta que este úl­timo já tem as­so­ci­adas re­gras de con­di­ci­o­na­li­dade po­lí­tica do tipo FMI, poder-se-á dizer que já não falta tudo.

Com tanto ar­rojo de ideias, im­por­tava des­cansar os se­ques­tra­dores, perdão, os cre­dores, perdão, os par­ceiros do Norte. O pri­meiro-mi­nistro as­se­vera: «a re­forma do euro não passa por menor dis­ci­plina or­ça­mental nem pela mul­ti­pli­cação de ex­ce­ções às re­gras». Pa­la­vras para quê? Outra coisa não seria de es­perar do «eu­ro­peísmo res­pon­sável»…




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