Histeria

Jorge Cadima

A guerra na Síria não é 'ci­vil'

A his­té­rica cam­panha em torno da li­ber­tação de Alepo é elu­ci­da­tiva. Longe de ce­le­brar o fim de quatro anos de guerra nessa grande ci­dade síria, os meios de co­mu­ni­cação, go­vernos e par­la­mentos das po­tên­cias im­pe­ri­a­listas fi­caram his­té­ricos com a der­rota da­queles a quem o ex-chefe das tropas da NATO na guerra contra a Ju­gos­lávia, ge­neral Wesley Clark, chamou (li­te­ral­mente) «os jiha­distas 'bons' fi­nan­ci­ados pelos nossos ali­ados» (USA Today, 11.2.16). Os 'jiha­distas bons' de Wesley Clark são aqueles que de­ca­pitam cri­anças, ao mesmo tempo que re­cebem apoio mi­litar dos EUA (BBC, 21.7.16). São os que comem as en­tra­nhas de sol­dados sí­rios que aca­baram de matar, na­quilo que a BBC ape­lidou de 'ca­ni­ba­lismo ri­tual' (BBC, 5.7.13), e são de­pois en­tre­vis­tados pela co­mu­ni­cação so­cial in­glesa para se «ex­pli­carem» (Te­le­graph, 19.5.13). São os que di­a­ri­a­mente bom­bar­de­avam com mor­teiros alvos civis na Alepo não ocu­pada e cha­cinam a co­mu­ni­dade cristã síria (como re­lata a mis­si­o­nária ca­tó­lica ar­gen­tina Ma. Gua­da­lupe, que viveu estes quatro anos em Alepo; ob­ser­vador.pt, 25.2.16). São os mer­ce­ná­rios cujos sa­lá­rios são pagos pelas petro-di­ta­duras do Golfo (ABC News ou Times of Is­rael, 1.4.12), co­nhe­cidas e in­tran­si­gentes de­fen­soras da de­mo­cracia e dos di­reitos dos povos... E pelo Pen­tá­gono (NY Times, 18.9.14 ou Reu­ters, 22.6.15).

O so­fri­mento do povo de Alepo foi real. Nos dois lados da ci­dade, e não apenas a Leste. Foi-o, porque o im­pe­ri­a­lismo (dos EUA e da UE) optou desde o início pela mi­li­ta­ri­zação dos pro­testos de 2011, ar­mando e fi­nan­ci­ando bandos ter­ro­ristas para efec­tuar a 'mu­dança de re­gime' tantas vezes exi­gida pu­bli­ca­mente pelos Obama/​Clinton, Hol­lande, Ca­meron e com­pa­nhia. A guerra na Síria não é 'ci­vil'. É uma guerra de agressão ex­terna, que visa des­truir e frag­mentar o país, para me­lhor con­trolar os enormes re­cursos da re­gião.

Nada disto é novo. Em 1957 «Ha­rold Mac­Millan [PM in­glês] e o pre­si­dente [dos EUA] Dwight Ei­se­nhower apro­varam um plano [dos seus ser­viços se­cretos] CIA-MI6 para en­cenar falsos in­ci­dentes, como pre­texto para uma in­vasão da Síria pelos seus vi­zi­nhos pró-oci­den­tais», con­forme do­cu­mentos ofi­ciais des­co­bertos em 2003 (Guar­dian, 27.9.03). Até a lin­guagem pa­rece ac­tual: «O plano prevê a cri­ação dum 'Co­mité da Síria Li­vre' e o ar­ma­mento de 'fac­ções po­lí­ticas com ca­pa­ci­dades pa­ra­mi­li­tares [...]' dentro da Síria. A CIA e o MI6 ins­ti­ga­riam le­van­ta­mentos in­ternos». O im­pe­ri­a­lismo nunca aceitou de bom grado a li­ber­tação dos povos. Em Maio de 1945, no pre­ciso mês em que ter­mi­nava a II Guerra Mun­dial, «tropas fran­cesas ocu­param o edi­fício do Par­la­mento sírio em Da­masco, no qual en­traram após re­bentar com o portão a tiros de ar­ti­lharia, de acordo com o cor­res­pon­dentes da Bri­tish United Press. […] aviões fran­ceses dei­xaram cair vá­rias bombas sobre Da­masco e tropas fran­cesas me­tra­lharam vá­rias ruas [da ci­dade]» (Sydney Mor­ning He­rald, 31.5.45). Tudo isto para im­pedir que, após 400 anos de do­mi­nação turco-oto­mana e um quarto de sé­culo de co­lo­ni­zação fran­cesa, o povo sírio al­can­çasse a sua in­de­pen­dência. Tudo isto, poucos meses após a li­ber­tação de Paris da ocu­pação alemã.

A his­teria é grande, porque a der­rota do im­pe­ri­a­lismo em Alepo é pe­sada. O Em­bai­xador sírio na ONU diz que agentes dos ser­viços se­cretos dos EUA, Is­rael, Arábia Sau­dita, Catar, Tur­quia, Mar­rocos e Jor­dânia estão cer­cados em Alepo. A his­teria é também porque os di­ri­gentes im­pe­ri­a­listas sabem que, cada vez mais, estão a perder o con­trolo ide­o­ló­gico sobre os povos. Como ainda há poucos dias ficou pa­tente na sua der­rota (mais uma) no re­fe­rendo que vi­sava al­terar a Cons­ti­tuição ita­liana. O que torna le­gí­tima a per­gunta: o que fazem o BE e ou­tras forças que se pro­clamam de es­querda, le­vando água ao moinho das cam­pa­nhas pro­pa­gan­dís­ticas que tentam 'le­gi­ti­mar' as guerras im­pe­ri­a­listas? Já foi assim aquando da guerra à Líbia. Não aprendem? Ou não querem aprender?




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