Condutores contra «escravidão»
«A Fadiga Mata», «La Fadiga Mata»: entre o português e o castelhano quase não há diferença. Nas denúncias dos condutores profissionais do transporte rodoviário de mercadorias oriundos dos dois lados da fronteira também não.
A fadiga faz uma morte por dia nos dois países da Península Ibérica
«Escravidão», «insegurança», «ameaças», «esgotamento» e «desprezo pela vida» foram algumas das queixas mais ouvidas durante a acção de sensibilização, promovida no dia 4, terça-feira, durante a manhã, na raia de Vilar Formoso, pela Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans/CGTP-IN), envolvendo o seu Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (STRUP), e pelas Comisiones Obreras (CCOO), de Espanha, através das estruturas do sector de Serviços Públicos e da comunidade autónoma de Castela e Leão.
«O teu trabalho é conduzir o camião ou é descarregá-lo?», pergunta Luís Venâncio, dirigente da Fectrans. «Devia ser conduzi-lo, mas também não devíamos fazer 15 horas por dia. Há muita pressão dos patrões», admite o condutor interpelado. «Mas sabes por que é que o teu patrão tem tanta força? Tem a força dos outros patrões do lado dele. Tu também precisas da força dos outros trabalhadores. Precisas de te sindicalizar», conclui o dirigente.
A conversa repete-se, camião a camião, em português e em castelhano, ao longo de uma fila com um quilómetro de extensão. Os condutores abordados no âmbito da semana de acção que a Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes (ITF) promove anualmente, há 20 anos, descrevem um quadro de sistemático desrespeito pela lei. «Apesar de ser ilegal, os condutores continuam, na sua maioria, a ser pagos ao quilómetro ou à viagem», explicou Fernando Fidalgo, que dirigiu a delegação da Fectrans, notando que, «como não há fiscalização, o crime compensa para o patronato, mas custa caro aos trabalhadores».
Este custo, como se lê no comunicado conjunto que foi ali distribuído, cifra-se actualmente, nos dois países da Península Ibérica, em uma morte por dia, um número que, para os trabalhadores presentes nesta acção – a qual teve como lema «A fadiga mata» –, representa caras conhecidas. Isso mesmo lembrou Manuel Leal, dirigente da Fectrans, conversando com um trabalhador que preenchia a ficha do STRUP.
Manuel Leal diz que o problema se banalizou: «As empresas competem entre si pelos piores salários e condições de trabalho mais abjectas. No contexto europeu, este fenómeno de dumping social tem levado à disseminação de “empresas-fantasma”, em que reina a precarização absoluta».
Trata-se de empresas deslocalizadas, que procuram condutores onde os salários forem mais baixos e as condições de trabalho mais violentas, «poupando na segurança social, obrigando os trabalhadores a viverem largos períodos no camião, afastados da família, e pressionando-os para colocarem a condução e a entrega das mercadorias à frente do cumprimento das normas laborais e da segurança rodoviária», pode ler-se no comunicado da Fectrans.
O lucro ou a vida
A Fectrans e as CCOO reclamam um plano de combate ao dumping social que erradique as «empresas-fantasma» e faça cumprir a legislação europeia sobre a deslocação de trabalhadores. «A lei é clara: devem aplicar-se os salários, as férias pagas e os horários do país onde se realiza o trabalho, o que não acontece porque não há fiscalização», explica Fernando Fidalgo.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística, nas estradas acontece um terço de todas as mortes no trabalho, um número que, de acordo com a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, está directamente relacionado com a fadiga dos condutores. Segundo um estudo dos investigadores Fischer e Lieber, o risco de acidentes fatais aumenta para 150 por cento após a 13.ª hora de trabalho, limites nada estranhos à maioria dos condutores contactados no dia 4.
Para os sindicatos, parte da solução passa pela proibição do descanso na cabine. «O descanso deve ser feito em casa», defende Luís Venâncio, mas «os patrões aproveitam-se de uma figura na lei, o “tempo de disponibilidade”, para obrigarem os condutores a conduzir, a carregar e a descarregar, e insistem que até o tempo passado dentro da cabine deve contar como tempo de descanso. Mas dentro de um veículo pesado, privados da família, os trabalhadores não descansam, sobrevivem», remata o dirigente.
Durante esta jornada, foram também recolhidas subscrições para o abaixo-assinado da Fectrans a exigir a revogação do recente decreto-lei que aumentou para além dos 65 anos a idade de reforma dos motoristas de pesados de passageiros e de mercadorias.