Não podem ser os mesmos a pagar

Jorge Pires (Membro da Comissão Política)

A divulgação recente na comunicação social de que os bancos viram o prazo de pagamento do empréstimo feito pelo Estado ao Fundo de Resolução (3900 milhões de euros) alargado até 2046, decisão imposta pela Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia (DGCompt) e o Banco Central Europeu (BCE), como contrapartida da autorização de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos pelo Estado português, vem confirmar uma tese por nós defendida desde Agosto de 2014, altura em que se verificou a Resolução do BES: os bancos não pagariam a dívida do Fundo de Resolução ao Estado.

Acelerou-se o processo de concentração bancária

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O argumento utilizado para este alargamento do prazo terá sido o de garantir a livre concorrência entre os bancos privados e o banco público. Então é caso para perguntar: onde estiveram as preocupações da DGComp, do BCE e da própria Comissão Europeia (CE), quando o Estado português, substituindo-se às responsabilidades que cabem aos grandes accionistas dos bancos privados, assumiu entre auxílios financeiros, amparos fiscais e as garantias do Estado mais de 20 mil milhões de euros entre 2008 e 2015, a que se deve somar o dinheiro gasto com a resolução do Banif? É que sem esta intervenção do Estado o sistema bancário estaria de forma generalizada formalmente falido e em colapso e o instrumento várias vezes utilizado para resolver problemas de outros bancos, foi a própria Caixa Geral de Depósitos (CGD).

Nessa altura, foi o próprio Banco de Portugal que afirmou ser já evidente que «o sistema bancário reflectia o prosseguimento de uma política que acumulou risco de subprovisionamento e imparidades insuficientes». Só entre 2008 e 2014 o nível de imparidades reconhecido foi de 40 mil milhões de euros, sendo que uma parte muito significativa são imparidades para crédito, muito dele concedido aos amigos e às empresas dos próprios grupos bancários, não poucas vezes sem qualquer garantia de retorno. Só a carteira de crédito e de títulos dos oito maiores bancos do sistema bancário português apontava, em Dezembro de 2011, para necessidades de recapitalização entre 48 mil e 56 mil milhões de euros, entre 28 e 33 por cento do PIB desse ano.

Esta situação não impediu que no mesmo período os maiores bancos privados, que não constituiriam de forma preventiva as imparidades, distribuíssem entre os seus accionistas mais de cinco mil milhões de euros, mesmo sabendo que estes dividendos incluíam resultados gerados por créditos que no futuro poderiam, como está a acontecer, requerer a constituição de imparidades.

Concentração e transferência de capital

Onde estiveram neste período a DGComp, o BCE, CE e o próprio Banco de Portugal, que não manifestaram nenhuma preocupação pelo facto de o Estado português estar a garantir com dinheiro público condições de intervenção favoráveis à banca privada, que o banco público não teve? A questão da livre concorrência é apenas um argumento que esconde o verdadeiro objectivo: garantir rapidamente aos bancos privados o regresso aos lucros fabulosos. Por este facto, a autorização de recapitalização da CGD não dependeu apenas do alargamento do prazo para os bancos privados pagarem o empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, mas também da imposição de uma redução da quota de mercado à CGD em cerca de cinco por cento.

Um processo que passa igualmente pelo desenvolvimento mais acelerado da concentração bancária, com a integração em grandes bancos europeus de uma parte da banca nacional, hoje já maioritariamente nas mãos do capital estrangeiro. A resolução do Banif, e a posterior integração no Santander Totta, é paradigmática de uma estratégia que visa uma redistribuição da actividade bancária dando aos megabancos europeus o controlo dessa actividade em condições mais favoráveis. Seis meses após esta integração, em que o Estado português foi chamado a assumir uma parte significativa dos prejuízos resultantes da falência do Banif, permitindo ao Santander Totta, com um pequeno investimento, adquirir o negócio do banco já limpo de lixo tóxico, reforçando os rácios de capital e vendo os seus lucros subirem no primeiro semestre do ano cerca de 90 por cento.

Simultaneamente com o processo de concentração bancária e de transferência do capital social dos bancos para grupos estrangeiros, continua a destruição dos postos de trabalho e fecho de balcões. Entre Dezembro de 2010 e Dezembro de 2015 as chamadas reestruturações dos bancos já conduziu à saída dos bancos de 9300 trabalhadores, número que já deve ter subido nesta altura para mais de 10 mil, tendo em conta as saídas verificadas nos primeiros nove meses do ano, bem como o fecho de cerca de 1300 balcões.

Para que não sejam sempre os mesmos a pagar os desmandos dos banqueiros, e para que a banca contribua de facto para o desenvolvimento económico e social do País, é preciso colocar sob o controlo público este importante instrumento financeiro que é o sistema bancário, reforçando no imediato as condições de intervenção do banco público e procedendo à nacionalização do Novo Banco.

 



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