Debate sobre o estado da Nação na AR comprova

Quebrar as amarras que bloqueiam o desenvolvimento

Leituras díspares quanto à situação do País marcaram o debate do estado da Nação. Aos que não descolam da estratégia de exploração e empobrecimento do passado recente, contraposta foi a visão dos que, sem ignorar diferenças, têm em comum o compromisso assumido de renovar a esperança e de lutar por um País melhor e mais justo.

Portugal precisa de abrir um novo caminho

Faz hoje oito dias, na sessão plenária que na prática fecha a sessão legislativa, foram esses olhares distintos sobre a realidade nacional que puderam ser observados ao longo de mais de quatro horas de debate.

Pelo lado do PCP, todo o esforço foi dirigido no sentido de fazer o debate a partir do «real estado da Nação», com os deputados comunistas a puxarem para primeiro plano os «graves problema estruturais que resultam de 40 anos de política de direita, particularmente agravada pelo anterior governo PSD/CDS». Problemas que, como sublinhou o Secretário-geral do PCP, «para serem vencidos exigem a libertação e superação dos fortes constrangimentos impostos pelo euro e outros instrumentos de submissão nacional».

Houve sobretudo da parte do PCP a preocupação de colocar no centro do debate a sua perspectiva quanto à resposta que é preciso dar a esses problemas estruturais do País, na base da política alternativa que defende e que há muito vem propondo.

Foi dessa política alternativa e das soluções que comporta para os problemas económicos e sociais, da Educação, da Segurança Social, da Saúde, dos sectores produtivos, dos sectores estratégicos do País que a bancada comunista falou no debate, tal como para primeiro plano chamou também a «resposta política que é exigida para que tudo isso possa ser concretizado».

Ou seja, o PCP posicionou-se no debate a partir das soluções para os problemas do País pelas quais se tem batido e continuará a bater-se, posição reafirmada com grande veemência pelo seu líder parlamentar, João Oliveira.

Azedume

Postura construtiva esta que não foi acompanhada nem por PSD nem pelo CDS, facto que a bancada comunista não deixou de lamentar. E o que ficou patente é que aqueles partidos não só não assumem as suas responsabilidades pela grave situação em que o País se encontra como tudo fazem para transferir para outros essas responsabilidades, «não contribuindo com uma única solução para resolver os problemas identificados», como observou o presidente da formação comunista.

Com efeito, pouco se importando com os efeitos de maré negra que a sua política de regressão económica e social teve sobre a vida dos portugueses e do País, e mostrando não ter percebido o desejo e sentido de mudança expresso pelo povo no sufrágio de Outubro de 2015, PSD e CDS apresentaram-se a debate brandindo violentamente contra o rumo actual da governação e contra a nova composição da AR que abriu um novo quadro político.

Ouviu-se, por exemplo, o líder parlamentar do PSD repetir o que no final João Oliveira qualificaria de «mesmas concepções antidemocráticas» que aquele partido e o CDS abraçaram desde as eleições de 4 de Outubro.

«O PS syrizou-se», afirmara Luís Montenegro, considerando que o Tsípras português é «diferente do original» porque nunca ganhou eleições e aliou-se à esquerda.

«Não, senhor deputado, uma solução política que resulta da expressão da vontade do povo na composição da AR é uma solução legítima porque legítimas não são só as soluções que vos permitem, ao PSD e ao CDS, chegar ao poder», sublinhou o presidente da formação comunista, dirigindo-se ao deputado que dirige a bancada laranja.

Cinismo

Sem surpresa, das bancadas à direita do hemiciclo vieram, pois, invectivas contra o que dizem ser a reversão e destruição de «reformas» levadas a cabo pelo executivo anterior, afirmando que isso está a destruir a «confiança» externa no País e a «credibilidade reconquistada».

O discurso de Passos Coelho foi disso testemunho. Invocou os supostos «bons indicadores» que teria deixado quando abandonou funções, pintou de cores escuras o quadro actual, e concluiu que o «País está a andar para trás», em resultado do que considerou ser a «política de reversões».

Mas a bancada do PSD não se ficou por este exercício. Sugeriu também que a alegada «perda de credibilidade» poderia não ser alheia às sanções que, qual cutelo, Bruxelas mantém sobre o País. Repetindo, aliás, numa versão mais light, a tese de Maria Luís Albuquerque de que se ela fosse ainda a ministra das Finanças não haveria sanções a Portugal.

Posição esta do PSD que mereceu uma crítica dura do PCP, com Jerónimo de Sousa, na sua primeira intervenção no debate, a observar que o partido de Passos Coelho lamenta com um «choradinho cínico» a ameaça de sanções mas logo a seguir justifica a situação tentando culpar o Governo actual, e, dessa forma, «acaba por tentar culpar o País e os portugueses, dar força à chantagem e à ameaça da UE».

«A liderança do PSD está enganada se julga que vai ganhar com isso um grão a mais de credibilidade», respondeu, também, no final, o ministro dos Negócios Estrangeiro, Augusto Santos Silva, mostrando-se convicto de que o «povo sabe bem como tratar aqueles que parecem fazer depender o seu sucesso político particular do insucesso do País».

Passa-culpas

Já sobre a questão do défice, o líder do PSD disse não acreditar que o Governo cumpra as metas orçamentais de 2016 e, num descarado «passa culpas», argumentou que que «até 2015 não há nenhuma justificação para que haja a aplicação de sanções a Portugal». E insistiu que sem as intervenções extraordinárias no sector financeiro, o défice teria sido de 2,8 por cento e não 4,4 por cento, como se verificou.

Assunção Cristas, do CDS, veio também à liça para acusar o Governo de ter aceitado «acriticamente», e de «não ter mexido uma palha» para defender o défice de 2015 em 3,2 por cento.

«A conta do Banif não é deste Governo; é a conta que os senhores esconderam porque não tiveram coragem de resolver», ripostou o primeiro-ministro.

Para António Costa, aliás, a decisão da Comissão Europeia de constatar um simples facto «sem propor qualquer tipo de consequência» – e deixando a decisão de sanções para o Ecofin desta terça-feira, 12 – é a «primeira vitória de Portugal».

Antes, considerara já que o PSD «não resistiu à tentação da mesquinhez partidária, procurando atacar a execução de 2016 para encobrir o fracasso da sua execução de 2015».

Foi, pois, uma avaliação distinta das bancadas à direita a que as restantes bancadas do hemiciclo, incluindo a do Governo, levaram ao debate sobre o estado da Nação.

«Temos uma maioria parlamentar consistente na diversidade da sua identidade, coerente na execução das posições conjuntas que a fundaram e estável para o horizonte da legislatura», sustentou o chefe do Executivo na intervenção com que abriu o debate e no decurso da qual reafirmou que Portugal sairá este ano da situação de procedimento por défice excessivo na União Europeia, afastando ainda qualquer cenário de «medidas adicionais» ou de «Plano B» orçamental.


Frases

«Os problemas para serem vencidos exigem a libertação e a superação dos fortes constrangimentos impostos pelo euro e outros instrumentos de submissão nacional»
Jerónimo de Sousa

«O País continua a ser profundamente atingido por graves problemas estruturais que resultam de 40 anos de política de direita, particularmente agravada pelo anterior governo PSD/CDS»
João Oliveira

«O investimento público é indispensável para impulsionar a actividade económica, ampliar a capacidade produtiva nacional e criar emprego»
Bruno Dias

 



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